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Foto do escritorAna Vogado e Isabel Caminada

Produtores rurais têm direito à devolução das diferenças do Plano Collor


Em meio à crise financeira que o Brasil enfrentava na década de 90, os produtores rurais que participavam da política agrícola denominada Sistema de Crédito Rural foram extremamente prejudicados em favor do sistema financeiro nacional. Isso porque, em março de 1990, o Banco do Brasil corrigiu todos os contratos de financiamento rural em vigência por índices que variavam entre 74,6% e 84,32%, sendo que, na época, o valor que deveria ter sido aplicado era de 41,28%.


Entretanto, como será demonstrado a seguir, os valores pagos a maior pelos agricultores podem ser reavidos ainda hoje.



1. Contexto Histórico


Para compreender o direito à restituição dos valores pagos por força dos contratos de financiamento rural realizados junto ao Banco do Brasil, os quais estavam em vigor na década de 90, faz-se necessário rememorar o contexto histórico da época.


Os mencionados contratos foram denominados cédulas de crédito rural e visavam a atender aos postulados da política agrícola nacional, prevista no art. 187 da Constituição Federal.


Em 1990, o Brasil enfrentava período de insegurança econômica, crise financeira e hiperinflação. Nesse diapasão, Fernando Collor assumiu a presidência da República e, um dia após, em 16 de março de 1990, com o intuito de solucionar a crise econômica, apresentou o Plano Brasil Novo — amplamente conhecido como Plano Collor —, o qual estabelecia um conjunto de reformas econômicas.


O plano econômico implementado adotou o “cruzeiro” como moeda nacional e determinou que os saldos das cadernetas de poupança seriam convertidos em cruzeiros na data do próximo crédito de rendimento, observado o limite de Cz$ 50.000,00 (cinquenta mil cruzeiros).


Previu-se, dentre outras medidas, o bloqueio dos saldos das cadernetas de poupança que excedessem o limite de Cz$ 50.000,00 e seu recolhimento ao Banco Central, onde seriam atualizados pela variação BTNF. A promessa era de que o montante confiscado fosse devolvido em 18 (dezoito) meses, com correção monetária e juros de 6% ao ano.


Em seguida, o Banco Central editou o comunicado n.º 2.067, fixando a aplicação do índice de preços ao consumidor (IPC) para o cálculo da atualização monetária dos saldos das cadernetas de poupança disponíveis aos poupadores (menor que Cz$ 50.000,00). Sendo assim, aplicou-se o percentual de 84,35% aos saldos não bloqueados, que correspondia ao IPC de março daquele ano. Para as novas contas, foi determinada a aplicação do BTN Fiscal.


Assim, o Banco Central instituiu regras de atualização monetária apenas quanto aos saldos não bloqueados, cuja atualização ficou e continuou sob a responsabilidade das Instituições Financeiras — o que não se relaciona com as quantias bloqueadas transferidas para o BACEN.


Observa-se. De acordo com o comunicado do Banco Central, dois seriam os critérios aplicados na remuneração das cadernetas de poupança: (i) a “poupança cruzeiro”, referente ao valor não congelado, seria atualizada com base no IPC, no percentual de 84,32%; e (ii) os valores retidos pelo Banco Central e as novas captações seriam corrigidos com base no BTNF, no percentual de 41,28%.


Diante de toda essa mudança no contexto econômico nacional, principalmente com a mudança de moeda no país, o saldo devedor dos financiamentos rurais realizados junto ao Banco do Brasil teve sua atualização monetária calculada de acordo com o IPC (Índices de Preços ao Consumidor) e não de acordo com o BTN (Bônus do Tesouro Nacional), conforme determinava a Lei nº 8.024/90.


Nesse diapasão, o Banco do Brasil, ao invés de aplicar a taxa do BTNF, de 41,28%, aos empréstimos realizados pelos agricultores, aplicou o percentual de 84,23%, ou seja, mais que o dobro do devido, fazendo com que, por lógica, todo o resto do financiamento tenha sido cobrado a mais.


Nesse sentido, em 1º de julho de 1994, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública n.º 94.8514-1, para que o Banco do Brasil devolvesse os valores pagos a maior pelo produtor rural em financiamentos estabelecidos com o Banco do Brasil que utilizaram o índice de atualização monetária de 82,28% ou 74,60%.



2. Julgamento da Ação Civil Pública


No bojo desta ação, em 2014, o Ministério Público Federal, a Sociedade Rural Brasileira e a Federação das Associações dos Arrozeiros do RS interpuseram Recurso Especial de n.º 1319232 perante o Superior Tribunal de Justiça, que declarou a ilegalidade perpetrada pelo Banco do Brasil e determinou o pagamento das diferenças apuradas entre o IPC (84,32%) e o BTNF (41,28%) de março de 1990.


Contra o acórdão proferido pela 3ª Turma da Corte Superior, a União interpôs embargos de divergência, com o intuito de impugnar a correção monetária e juros de mora incidentes sobre a condenação imposta à Fazenda Pública, segundo os índices oficiais de remuneração básica da caderneta de poupança (Taxa Referencial), conforme o art. 1º-F da Lei n.º 9.494/97.


Adveio, então, decisão do STJ, na qual restou estabelecido que o recurso interposto pela União deveria aguardar o julgamento definitivo do Recurso Extraordinário n.º 870.947/SE, no Supremo Tribunal Federal, que versava sobre os índices de correção monetária e juros de mora que devem ser aplicados nos casos de condenação impostas à Fazenda Pública.


Ocorre, todavia, que o Recurso Extraordinário de repercussão geral já foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal em 20 de setembro de 2017. Nesta oportunidade, foi fixado que o artigo 1º-F da Lei n.º 9.494/97, na parte que disciplina a correção monetária segundo a Taxa Referencial (TR), revela-se inconstitucional, uma vez que não se qualifica como medida adequada para recompor valores de acordo com a variação de preços da economia.


Essas decisões permitem aos produtores rurais que tiveram seus financiamentos rurais corrigidos em março/abril de 1990 ingressar com ações de cumprimento de sentença contra qualquer um dos três réus: a União, o Banco Central ou Banco do Brasil, visando a devolução ou exclusão nos débitos renegociados nesses percentuais.


Enquanto o julgamento não é finalizado pela Corte, as liquidações de sentença encontram-se suspensas. Entretanto, tendo em vista que o Recurso Extraordinário que suspendeu os embargos de divergência foi julgado, espera-se que haja posicionamento em breve do Superior Tribunal de Justiça, não impedindo que o produtor rural ajuíze sua liquidação de sentença pleiteando a restituição dos valores pagos a maior no financiamento agrícola.



3. Restituição dos valores: quem tem direito?


A decisão proferida pela Corte Superior deu-se em sede de Ação Civil Pública, de modo que, mesmo aqueles que não ajuizaram ação judicial no tempo oportuno têm direito à restituição dos valores.


Logo, todos os produtores que possuíam financiamento rural com o Banco do Brasil anteriores a março de 1990, ainda que já tenham quitado, renegociado, ou continuem devendo valores, podem ingressar com liquidação de sentença para reaver os valores pagos a maior, por meio de um advogado.


Ressalte-se que, caso o agricultor que realizou o financiamento à época já tenha falecido, os herdeiros podem pleitear essa devolução, mesmo nas hipóteses em que a propriedade tenha sido vendida.


Para o ingresso da ação é necessário que o produtor rural demonstre que teve contrato de financiamento rural com o Banco do Brasil corrigidos pelo índice da poupança, emitidos antes de março de 1990 e pagos ou renegociados após essa data, isso através de cédulas de crédito rural (emitida pelo cartório de registro de imóveis onde localizava o imóvel rural), contratos, ou por prova judicial, podendo ainda, pedir judicialmente que o banco do brasil entregue os demais documentos que faltarem.



4. Conclusão


Ainda que a mencionada Ação Civil Pública não tenha transitado em julgado, entende-se oportuno o ajuizamento da liquidação de sentença, tendo em vista que o mérito já foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça e a questão pendente — o índice de atualização monetária aplicável — já foi decidida pelo STF. Aguarda-se, então, apenas o julgamento dos embargos de divergência pela Corte.


Ademais, as ações de liquidação de sentença que forem ajuizadas terão preferência quando do julgamento pelos Juízos em relação às que certamente serão ajuizadas após o trânsito em julgado da demanda.


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