Panorama Político | 15 de Julho de 2022
Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados
A ÚLTIMA SEMANA DO CONGRESSO E A PEC DOS AUXÍLIOS
A última semana do Congresso antes do recesso legislativo foi dominada pela PEC dos Auxílios, também conhecida como PEC Kamikaze. Além da controvérsia acerca do teor da PEC, que prevê gastos que totalizam cerca de 41 bilhões de reais para custear diversos auxílios até o final de 2022, com questionamentos acerca da sua constitucionalidade e legalidade perante as restrições em ano eleitoral, grande parte das divergências se deram pela sequência de procedimentos adotados para a tramitação da matéria.
O deputado Marcelo Ramos (PSD/AM), ex-vice-presidente da Câmara, se posicionou de forma contrária à PEC, principalmente diante da ampliação de gastos em ano eleitoral. Em seu posicionamento, o deputado afirmou: “eu também me sensibilizo com alguém que precisa de uma cesta básica. Mas, se eu voltar para o meu estado amanhã e doar uma cesta básica para alguém que está com fome, isso é crime eleitoral que gerará minha inelegibilidade”.
O deputado se refere à previsão do art. 73, §10 da Lei n. 9.504/97 (Lei das Eleições), que proíbe “a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais (...).” A partir desta previsão, em ano eleitoral não caberia a política de auxílios que não esteja prevista em lei e em execução no ano anterior, em sentido contrário ao que prevê a PEC.
A constitucionalidade da PEC também foi tema de críticas. O estado de emergência instituído não possui previsão constitucional e foi usado para evitar o desrespeito à lei de responsabilidade fiscal e o limite ao Regime Fiscal, conhecido como “teto de gastos”. De acordo com o relator da PEC no Senado, o senador e ex-líder do governo Fernando Bezerra (MDB/PE), o estado de emergência se justifica pela Guerra na Ucrânia e seus impactos na oferta de bens e combustíveis. Entretanto, Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral, afirma que “o estado de emergência é uma situação de exceção. Uma situação de exceção não pode ser criada artificialmente”. A professora e especialista em Direito Eleitoral Marilda Silveira compreende que, por meio da PEC, o governo busca “constitucionalizar uma emergência. Mas a emergência é uma questão de fato, não é uma questão jurídica”. Ela acrescenta, ainda, que caberia ao presidente a competência de estabelecer um estado de calamidade. “Se estão fazendo por PEC é porque eles sabem que tem fragilidade no argumento”.
O jurista e ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto também se mostrou contrário à PEC. Segundo Ayres Britto, a PEC promove um desequilíbrio de forças na disputa eleitoral. Britto também destacou que a Constituição não é um instrumento para se declarar o estado de emergência, como se fez pela PEC.
Lenio Streck também criticou a PEC e destacou que o estado de emergência não é uma figura inédita na história política brasileira. Ele foi um recurso utilizado por Getúlio Vargas quando outorgou a Constituição de 1937 e seu governo autoritário, conhecido como Estado Novo.
O procedimento adotado para a tramitação da PEC também foi criticado, tendo em vista que algumas manobras foram postas em prática pelo presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP/AL), para acelerar a sua tramitação. Na Câmara dos Deputados, normalmente, após a sua apresentação, a tramitação de uma PEC se inicia na Comissão de Constituição e Justiça da Casa. Caso seja admitida pela Comissão, seu mérito é analisado por uma Comissão Especial. Somente após o parecer da Comissão Especial é que a PEC poderá ser pautada em Plenário.
A PEC dos Auxílios, entretanto, foi apensada por Lira diretamente à uma outra PEC (PEC nº 15, sobre biocombustíveis) que já tramitava na Casa e já tramitava em Comissão Especial constituída e em funcionamento. Com isso, a PEC dos Auxílios chegou a Plenário mais rapidamente.
Mesmo com todas as manobras procedimentais para a aprovação da PEC dos Auxílios, o presidente da Casa ainda teve que lidar com a ausência da base governista para a votação na sessão do dia 7. Diante da falta de quórum para a aprovação da PEC, encerrou a sessão. A sessão seguinte marcada para a votação da PEC ainda contou com uma surpresa: o “apagão” dos servidores do sistema do Congresso que garantem o acompanhamento e votação dos parlamentares de forma remota, pelo “infoleg”. Entretanto, muitos parlamentares já haviam registrado a presença (o que até então deveria ser feito de forma presencial) e já haviam retornado aos seus estados de origem. A votação em primeiro turno já tinha sido realizada e, para contar com o mesmo quórum para os destaques e a votação em segundo turno, Arthur Lira editou dois Atos que permitiram não somente a votação de forma remota, mas também o registro de presença à distância.
Agora, aguardar-se-á os efeitos que a implementação dos auxílios previstos na PEC, promulgada na forma da Emenda Constitucional n.º 123, pode ter no pleito eleitoral que se aproxima.