Panorama Político | 26 de Agosto de 2022
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil e Ricardo Stuckert/Instituto Lula
AS SABATINAS DOS PRESIDENCIÁVEIS
As eleições para a Presidência da República ganharam novos contornos midiáticos com as sabatinas realizadas no Jornal Nacional. A entrevista dos primeiros colocados na disputa, Bolsonaro, Lula e Ciro Gomes, mobilizou os telespectadores fiéis aos seus candidatos, aqueles contrários e também os indecisos.
Na segunda (22), a sabatina foi inaugurada com a entrevista ao candidato à reeleição e atual presidente, Jair Bolsonaro. Os pontos explorados, tanto pelos entrevistadores quanto pelo candidato, disseram respeito ao STF e seus ministros, ao sistema eleitoral e ao compromisso com o resultado das urnas, às manifestações de apoiadores, à gestão da pandemia, aos dados econômicos, à proteção ao meio ambiente, à aliança política com o Centrão, ao escândalo no Ministério da Educação e à influência na Polícia Federal.
Diante da afirmação de que Bolsonaro havia xingado alguns ministros do STF, o presidente disse que isso não havia acontecido. A posição do candidato sobre o sistema eleitoral e a credibilidade das urnas foram questionados pelos entrevistadores, que solicitaram ao candidato que afirmasse para todos os telespectadores que aceitaria o resultado das eleições. Como resposta, Jair Bolsonaro disse que "serão respeitados os resultados das eleições, desde que sejam limpas e transparentes”.
Sobre manifestações de seus apoiadores a favor do retorno da ditadura militar com Bolsonaro como comandante, do AI 5 e do fechamento do STF e do Congresso, segundo o presidente, foram manifestações protegidas pela liberdade de expressão.
A gestão do governo federal no combate à pandemia foi destacada, citando-se o estímulo do uso de medicamentos não comprovados para o tratamento e o desestímulo à vacinação. Bolsonaro respondeu que houve a compra e disponibilização célere de vacinas e que a grande mídia desestimulou o tratamento precoce com medicamentos não comprovados para o tratamento. Segundo ele, “o lockdown serviu para atrapalhar a economia” e a compra de oxigênio para Manaus foi rapidamente providenciada.
Quando questionado sobre ser aliado a uma parcela do Parlamento que antes criticava, o Centrão, o presidente disse que o entrevistador o estava “estimulando a ser um ditador'', pois ignorar os parlamentares que representam o Centrão seria uma atitude de ditador, já que eles são a maioria do Parlamento.
Diante de questionamentos sobre os escândalos de desvio de verbas no Ministério da Educação e da interferência na gestão da Polícia Federal, respondeu que, “muitas vezes, depois que a pessoa chega, a gente vê que ela não leva jeito para aquilo”. Quanto à gestão da Polícia Federal, o presidente afirmou que a polícia foi beneficiada com mais investimentos e armamentos e que a autonomia da PF é respeitada.
Na sabatina de Ciro Gomes, realizada na terça (23), foram destacados alguns temas onde o candidato pôde revelar seus projetos, caso seja eleito: a criação de plebiscitos, de uma “Lei Antiganância” e propostas sobre saneamento, segurança pública e meio ambiente.
O clima de polarização, muito criticado por Ciro Gomes, foi destacado pela entrevistadora como um elemento a ser superado para uma gestão pública efetiva. O candidato respondeu que deve se esforçar para unir e reconciliar o Brasil e que deve levar em consideração o fato de que a corrupção é feita por pessoas e grupos que devem ser apontados e responsabilizados. O candidato disse que vai buscar novas formas para combater velhos hábitos corruptos e problemas de gestão política.
Sobre o combate à miséria e à pobreza, disse que vai buscar unir todos os programas de beneficiamento às camadas mais pobres e criar um benefício previdenciário único. O financiamento deve vir pela criação de um novo imposto sobre a renda dos “super-ricos”. “Cada super-rico vai pagar 50 centavos a cada 100 reais da sua fortuna” e haverá uma renda mínima com previsão constitucional para não depender das mudanças de governantes.
O plano de governo de Ciro indica diversas reformas importantes e, por isso, o candidato foi questionado sobre a forma como vai buscar a maioria no Congresso para realizar tais reformas. Segundo ele, haverá a busca por um novo modelo de governança em contraste ao populismo no Executivo e ao “presidencialismo de coalizão" dominado pelo Centrão. Neste modelo, o plebiscito será uma opção caso não haja adesão aos seus planos no Congresso. Contudo, também afirmou que deve fazer um esforço de conciliação entre os políticos.
Ciro Gomes, caso eleito, afirma que não buscará sua reeleição, mas que vai “cuidar só da reforma que o país precisa”. Segundo ele, “o presidente fica com medo dos conflitos porque quer reeleição”.
Na área da segurança, propõe a federalização da gestão da segurança pública para o enfrentamento de facções, milícias, narcotráfico e crimes de colarinho branco. Além de investimentos em tecnologia, treinamentos, a ampliação numérica de agentes de segurança e a padronização de abordagens e monitoramentos da segurança.
Outro importante projeto de seu governo é a “Lei Antiganância”. Nesta lei, será previsto que todos aqueles que tiverem pagado suas dívidas de cartão de crédito e cheque especial, ao pagar duas vezes a dívida que têm pelos altos juros, ela será extinta.
Na sabatina de Lula, os destaques foram corrupção, lista tríplice da Procuradoria-Geral da República, economia, relação com o Congresso, orçamento secreto, militância e polarização, agronegócio e política internacional.
O primeiro ponto abordado pelos entrevistadores foi a corrupção, ao questionar o candidato sobre as ações sofridas e a anulação de suas condenações. De acordo com a entrevistadora, o desafio do candidato será convencer a população de que não haverá os mesmos erros. Lula destacou que foi nos governos do PT houve a criação do Portal da Transparência, da Lei de Acesso à Informação, da Lei Contra o Crime Organizado e contra a lavagem de dinheiro, a criação do COAF, a competência do Cade para combater os cartéis e uma maior independência do Ministério Público e da Polícia Federal, além da criação da lista tríplice para a Procuradoria-Geral da República. Afirmou, ainda, que só houve denúncias de corrupção em seu governo porque houve uma estrutura estatal para apurar, investigar e condenar. Disse que as investigações que o condenaram foram manobra política.
Na economia, Lula destacou que o foco será a superação da fome e da miséria. Salientou que, em seus governos, houve a redução da inflação e da dívida pública, com a reserva fiscal e a maior política de inclusão social realizada no Brasil. Definiu que há três palavras para governar um país: credibilidade, previsibilidade e estabilidade.
Ao ser questionado sobre a gestão de Dilma Rousseff, afirmou que ela realizou um excelente primeiro mandato presidencial, mas que, no segundo, houve erros em sua gestão. Nesse sentido, evidenciou que a atuação de Eduardo Cunha e Aécio Neves, na Câmara e no Senado, respectivamente, trabalharam contra a gestão de Dilma Rousseff.
O relacionamento com o Congresso é uma preocupação de todos os chefes do Executivo. Para Lula, o orçamento secreto é um dos grandes males do presidencialismo brasileiro criado pelo Parlamento. Nenhum chefe do Executivo governa sem dialogar com o Parlamento. Segundo ele, o diálogo deve ser promovido entre as lideranças dos partidos e não com o Centrão. A presença de Alckmin em seu governo também vem para promover o diálogo entre um lado e outro do espectro político.
Sobre seu novo e improvável vice-presidente, o ex-tucano e ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSB), Lula afirmou que na política não deve ter ódio, mas diálogo. Afirma que os políticos não devem se tratar como inimigos, mas como adversários na seara política. A polarização é comum em todos os países democráticos e é promovida pelo debate e diálogo aberto segundo as regras da democracia.
Sobre o orçamento secreto, afirmou que é uma excrescência desenvolvida pelo atual presidente da Câmara. Segundo ele, “Bolsonaro parece um bobo da corte. Ele não coordena o orçamento”. A relação entre os poderes deve ser restaurada. Não foi somente no Poder Executivo federal que houve perda de poder de agenciamento sobre políticas públicas e do orçamento, mas também dos governadores, e será retomado o maior diálogo entre os chefes do Executivo a nível federal, estaduais e distrital.
As sabatinas se tornaram uma importante medida sobre o índice de aceitação e apoio popular pelos números de audiência registrados. Bolsonaro conquistou o recorde, com o pico do Ibope registrando 37 pontos, com uma média de 32,7. Com Lula, foi registrado o pico de 33,8 pontos e com média de 31,4 pontos. Na entrevista de Ciro Gomes, a média registrada foi de 28,3, com o pico em 31 pontos. Além do Ibope, outro importante parâmetro de intenções de votos e apoios foi verificado nas redes sociais. De acordo com o CEO da Quaest, Felipe Nunes, 15 milhões de pessoas foram impactadas com postagens sobre a sabatina de Lula. Bolsonaro ficou em segundo lugar, com 9 milhões de postagens. Em terceiro, ficou Ciro Gomes com 2 milhões.
Nos 40 minutos de tensão, cobrança e respostas rápidas exigidas durante uma sabatina, foram observadas dinâmicas distintas entre candidatos e entrevistadores.
A participação do presidente Bolsonaro recebeu críticas em relação ao fato de não ter apresentado seus planos e propostas caso seja reeleito. Falou por penas 24 minutos, com o apontamentos de agências de checagem de fatos e por diversos canais midiáticos que, em parte de suas respostas, apresentou fake news.
A fala de Ciro Gomes foi mais propositiva, com o candidato abordando seus planos de governo em todas as suas respostas. Dos 40 minutos de entrevista, falou por 29 minutos e 54 segundos. Foi destaque também o tom mais apaziguador e menos combativo, uma marca de sua postura em outras entrevistas.
A apresentação de Lula foi considerada positiva, embora tenha sido tensa em muitos momentos devido às questões ligadas à corrupção do PT e aos processos contra ele. Seu discurso pacificador diante da polarização e do conturbado relacionamento entre os poderes conferiu uma boa imagem como estadista e como um dos principais políticos da América Latina. Foi, até agora, o candidato com maior tempo de fala na sabatina do Jornal Nacional: dos 40 minutos, falou por 30 minutos e 16 segundos.
Resta saber se as sabatinas promoverão um impacto nas intenções de voto e na rejeição e se serão capazes de alcançar eleitoras e eleitores para além das bolhas de fiéis de cada candidato.