VGBL e PGBL no Planejamento Patrimonial: entenda a decisão do STF no Tema 1214 e os direitos de restituição de ITCMD cobrado indevidamente
- Maria Eduarda Amaral e Pedro Frutuoso
- 9 de jul.
- 4 min de leitura

Em um momento delicado como a perda de um ente querido, é comum que os familiares se deparem com dúvidas sobre os bens deixados, os tributos incidentes e a burocracia que envolve o inventário. Entre os ativos mais recorrentes na sucessão estão os planos de previdência privada, notadamente o VGBL e o PGBL, que se diferem entre si principalmente em relação ao tratamento tributário.
Apesar de serem amplamente utilizados como instrumentos de acumulação de patrimônio e planejamento tributário, sua natureza jurídica sempre gerou debates — especialmente no que diz respeito à Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).
Tipos de planos de previdência privada aberta e usos mais comuns
Vida Gerador de Benefícios Livres (VGBL):
O VGBL é, juridicamente, um seguro de pessoa com cobertura por sobrevivência, regulamentado pela Susep. Embora tecnicamente qualificado como seguro, na prática funciona como um instrumento híbrido entre proteção e acumulação patrimonial. É amplamente utilizado por pessoas físicas que declaram o Imposto de Renda no modelo simplificado, já que suas contribuições não são dedutíveis da base de cálculo do IR.
Sob a ótica do planejamento patrimonial, o VGBL é valorizado por três razões principais:
Simplicidade sucessória: permite a designação direta de beneficiários, já que os valores não integram o inventário e são pagos de forma célere após o óbito, sem necessidade de alvará judicial.
Proteção patrimonial: em razão da estrutura jurídica do produto, a depender do caso, pode gerar desvinculação em relação às obrigações do titular.
Eficiência tributária: ao contrário de outros investimentos, a tributação sobre os rendimentos ocorre apenas no momento do resgate, e não há come-cotas periódicos. Além disso, por não integrar a herança, não há incidência de ITCMD.
Após o falecimento do titular, os beneficiários indicados no contrato do VGBL têm direito ao recebimento integral do montante acumulado. Em regra, o valor é pago em parcela única, mediante um processo de habilitação junto à seguradora. Porém, não há obrigatoriedade de resgate imediato, e alguns planos admitem a portabilidade para outro VGBL ou a conversão em renda mensal. É importante se atentar que, caso o beneficiário opte pelo resgate, incidirá imposto de renda exclusivamente sobre os rendimentos, conforme o regime tributário escolhido (progressivo ou regressivo).
Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL):
Já o PGBL é um plano de previdência complementar com caráter eminentemente contratual, vinculado à lógica de capitalização de longo prazo. Ao contrário do VGBL, permite a dedução das contribuições da base de cálculo do IR, até o limite de 12% da renda bruta tributável anual, desde que o contribuinte utilize o modelo completo de declaração e contribua para o INSS ou regime próprio.
Em resumo, os aportes reduzem a base de cálculo do IR, gerando restituição ou reduzindo o imposto a pagar no curto prazo. O valor restituído ou deduzido no presente pode, então, em comparação à utilização do VGBL, gerar um ganho com o rendimento do dinheiro no tempo.
Trata-se, portanto, de um produto recomendado para pessoas com alta carga tributária, pois possibilita diferimento fiscal — ou seja, a postergação da incidência do imposto para o momento do resgate.
Do ponto de vista sucessório, após o óbito do titular, o PGBL também admite a indicação de beneficiários e o pagamento direto, o que o torna funcional em planejamentos patrimoniais mais sofisticados, especialmente quando estruturado em conjunto com fundos exclusivos ou holdings familiares.
Alguns contratos também permitem que o beneficiário opte pela continuidade do plano, mediante portabilidade, mas isso depende da seguradora e do perfil do beneficiário (idade, condições de elegibilidade etc.).
Do ponto de vista fiscal, o valor recebido pelos herdeiros está sujeito à tributação integral de IR — tanto sobre o capital quanto sobre os rendimentos acumulados. Essa incidência ocorre no momento do resgate, conforme o regime de tributação previamente escolhido pelo titular.
Entendimento do STF e do STJ sobre a incidência de ITCMD – REsp 1.961.488/SP[1] e RE 1.363.013 (Tema de Repercussão Geral n.º 1214)[2]
Em novembro de 2021, o STJ já havia reconhecido que o VGBL tem natureza securitária e, portanto, não integra patrimônio hereditário, afastando a incidência ITCMD (REsp 1.961.488/SP), desde que não identificada intenção de fraude à sucessão ou intenção de simulação para fins de sonegação fiscal.
Apesar do referido entendimento, a cobrança do ITCMD sobre os valores recebidos em razão do falecimento do titular era prática comum entre os fiscos estaduais, bem como havia grande debate em relação à aplicação do entendimento ao PGBL.
A ausência de entendimento consolidado gerava insegurança jurídica, especialmente em inventários de grande vulto patrimonial, nos quais a incidência do imposto sobre planos de previdência privada poderia representar impacto financeiro expressivo aos herdeiros.
Em dezembro de 2024, ao julgar o RE 1.363.013 com Repercussão Geral (Tema 1214), o Supremo Tribunal Federal fixou que “É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) quanto ao repasse, para os beneficiários, de valores e direitos relativos ao plano Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) ou ao Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) na hipótese de morte do titular do plano”.
Implicações Práticas do Novo Entendimento
A decisão do STF consolida o entendimento de que valores recebidos a título de VGBL e PGBL não devem ser objeto de ITCMD. Com isso, a partir da decisão, os beneficiários tiveram reconhecido o direito de recebimento imediato dos valores, com a morte do titular, independentemente de recolhimento de ITCMD e abertura de procedimento de inventário.
Além disso, importante destacar que o STF também rejeitou o pedido do Estado do Rio de Janeiro para que os efeitos da decisão fossem modulados — ou seja, a decisão tem eficácia retroativa. Com isso, há a possibilidade de se pleitear a restituição dos valores pagos indevidamente a título de ITCMD nos últimos cinco anos, por meio de ação de repetição de indébito.
Considerando o cenário vivenciado antes da pacificação do tema de forma vinculante, há diversos contribuintes que foram indevidamente cobrados pelos fiscos estaduais pela incidência de ITCMD sobre os valores recebidos, os quais podem buscar as medidas legais cabíveis para reaver as quantias cobradas indevidamente.
A possibilidade de restituição, contudo, depende da análise do caso concreto, incluindo a comprovação do pagamento e a ausência de decadência do direito. Assim, é essencial contar com assessoria jurídica especializada para avaliar a viabilidade da demanda e conduzir os trâmites administrativos ou judiciais necessários à recuperação dos valores.
[1] Íntegra do Acórdão: REsp 1.961.488/SP
[2] Íntegra do Acórdão: RE 1.363.013/RJ
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