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  • Foto do escritorCláudio Barbosa e Caio Borges

Flexibilização da jornada dos profissionais da saúde em tempos de crise


A entrada do coronavírus nas fronteiras brasileiras e sua rápida disseminação pelo território nacional exigiram do Poder Executivo uma reação rápida para tentar conter a propagação do SARS-CoV-2 e seus efeitos colaterais. Dentre as providências emergenciais adotadas pelo Governo Federal, destaca-se a Medida Provisória (MP) nº 927/2020, que teve impacto direto na jornada de trabalho dos profissionais da saúde.


A MP nº 927/2020 contribuiu para a flexibilização da jornada de trabalho de profissionais que laboram em estabelecimentos de saúde, quando permitiu que estes possam prorrogar a jornada de trabalho para além do limite legal, bem como adotar escalas de horas suplementares que possam abarcar até a vigésima quarta hora do intervalo interjornada, — tudo isso através de acordos individuais.


Vale lembrar que essa possibilidade de extensão da jornada de trabalho inclui também as hipóteses nas quais as atividades são consideradas insalubres ou quando a jornada é operada em regime de doze horas de trabalho por trinta e seis horas de descanso.


Denota-se disso que o ato normativo em questão abriu a possibilidade de que os profissionais da saúde tenham que trabalhar em regime que extrapola o limite legal e constitucional de horas trabalhadas por dia mediante acordo individual.


Não há dúvidas de que a MP nº 927/2020, ao permitir uma jornada muito acima das 8 horas diárias aos profissionais da saúde por meio de acordo individual, conflita frontalmente com direitos e com princípios inscritos na Constituição Federal, especialmente quanto à dignidade da pessoa humana, ao limite da jornada de trabalho constitucionalmente estipulado, à segurança do profissional em serviço e ao reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.


Não obstante a previsão de compensação das horas trabalhadas em razão das medidas de extensão da jornada, os profissionais da saúde estão em iminente risco quando direciona-se um olhar mais atento a questões relativas à saúde e à segurança no trabalho. Nota-se que uma jornada de trabalho extenuante tem potencial de ser extremamente prejudicial ao trabalhador e à população que depende de seus serviços.


Os profissionais da saúde, apesar de terem assumido um protagonismo na linha de frente do combate ao coronavírus, necessitam de uma jornada de trabalho moderada que lhes garanta o devido repouso para que possam se dedicar com a atenção necessária aos serviços prestados em prol da saúde pública. Para além da legislação trabalhista, a própria Constituição Federal reconhece a valorização do profissional da saúde, o que contribui para a noção de preservação destes profissionais, especialmente no tocante às horas laboradas.


A exaustão decorrente de jornadas extenuantes implica em degradação da saúde do trabalhador através do desenvolvimento de doenças como a síndrome de Burnout, caracterizada por um esgotamento físico e mental intrinsecamente relacionado com a excessiva atividade profissional. Além disso, a sobrejornada implica também no aumento do risco de acidentes de trabalho ou mesmo de erros que prejudiquem o paciente, o que é alarmante quando se considera que os profissionais em questão lidam diretamente com a saúde pública.


Seguindo este raciocínio diversas instituições das esferas civil e pública ingressaram no Supremo Tribunal Federal para apontar a inconstitucionalidade do dispositivo que permitiu a alteração da jornada de trabalho dos profissionais da saúde, sobretudo a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), a Federação Nacional dos Enfermeiros (FNE) e partidos políticos como o PDT, a Rede e o PSB.


As entidades ressaltaram a notória fragilidade do acordo individual, pois é celebrado entre duas partes entre as quais há um desequilíbrio no poder de representação de interesses do empregador e do empregado. Salientam, também, que as limitações constitucionais deste tipo de acordo em tempos normais não são despropositadas, pois somente com a participação do sindicato obreiro, órgão representativo da categoria, é possível que sejam logradas negociações com maior respeito aos direitos do trabalhador.


Ademais, a CNTS e a FNE alegaram, em sua petição inicial, além da violação a princípios e normas constitucionais, a impossibilidade de flexibilização da jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis horas de descanso por meio de acordo individual, tendo em vista que ela já configura exceção à jornada ordinária e só pode ser pactuada por meio de acordo coletivo.


É de bom alvitre lembrar que a ADI 6.380, proposta pela CNTS e pela FNE, e as demais ADIs que tratam dessa matéria foram reunidas sob o crivo do Ministro Marco Aurélio que, em sede de liminar, negou os pedidos das associações. Dessa forma, o julgamento dessas ações está previsto para a sessão plenária de amanhã (16/04/2020), quando se dará a palavra final sobre a matéria.


Cumpre salientar que independente do resultado do julgamento, os casos concretos poderão ser tutelados pelo Judiciário, de modo que os trabalhadores da saúde que sofrerem danos existenciais advindos da jornada extenuante têm direito de pleitear reparação.


Para além disso, na hipótese de prejuízo moral relativo ao período em que se trabalhou em regime de sobrejornada é cabível pleito de danos morais, uma vez que esses não são afastados por eventual declaração de constitucionalidade da norma.


Por derradeiro, o julgamento em abstrato das ADIs que impugnam dispositivos da MP nº 927/2020 não afasta a possibilidade de ajuizamento de outras demandas relacionadas à jornada extenuante dos profissionais da saúde, que ainda podem ser tuteladas pelo Poder Judiciário a depender do caso concreto. Cabe ao profissional sujeito a esses abusos demandar o respeito aos seus direitos e à sua dignidade.

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