A vida e a dinâmica social foram impactadas de forma singular pela pandemia do novo coronavírus. Muitas das atividades que antes pareciam ordinárias, hoje, têm de ser evitadas, fazendo com que a sociedade em geral passe a se perguntar como serão desempenhadas daqui para frente.
O Código Civil determinou, dentre outras, as associações, as sociedades, as fundações e os partidos políticos como sendo pessoas jurídicas de direito privado. Dessa forma, tratando especificamente das associações — caracterizadas pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos —, o Diploma Civil prevê a necessidade de realização de assembleias gerais a fim de se discutir assuntos internos afetos a todos os associados.
Contudo, em muitos casos, por comando estatutário, essas assembleias ocorrem apenas presencialmente, de modo que a crise de saúde pública e as medidas de isolamento social surtiram efeitos que impediram sobremaneira sua realização.
As associações de âmbito nacional comumente têm disposições em seus estatutos que permitem a realização de assembleias, sejam ordinárias, sejam extraordinárias, por meios eletrônicos. Nesses casos, essa prática já é adotada tendo em vista da dificuldade de reunir pessoas de todo o território brasileiro em um único lugar para a realização de uma assembleia. Via de regra, não é justo nem razoável que cada associado deva despender custos, por vezes altíssimos, para poder participar presencialmente dessas reuniões.
Todavia, essas disposições que permitem a realização de assembleias por meios eletrônicos não são facilmente identificadas nos estatutos das associações de classe de menor abrangência territorial (estadual/distrital). Essa ausência, muitas vezes, é justificada pela facilidade de reunir os associados ou mesmo pelo fato de essa hipótese nunca ter sido cogitada na formulação do estatuto.
Assim, na falta de previsão estatutária, as associações de âmbito estadual ou distrital não estavam autorizadas a realizar as assembleias virtualmente, não obstante estas serem indispensáveis para certos trâmites cotidianos das associações, como, por exemplo, a aprovação do ajuizamento de ações coletivas pelas associações.
Criou-se, então, uma verdadeira sinuca de bico, uma vez que, não obstante a eventual necessidade de ajuizamento de ações ou de deliberação de temas de urgência, as associações se viam impossibilitadas de realizar assembleias para alterar o estatuto, a fim de permitir a realização virtual de assembleias gerais. De fato, como as entidades poderiam modificá-lo se dependeriam de assembleia geral para alterar as disposições do ato constitutivo?
Foi com a finalidade de adaptar as relações privadas às urgências trazidas pela pandemia da Covid-19 que, em 12 de junho de 2020, foi aprovado o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET). A Lei n.º 14.010/2020 institui normas de caráter transitório e emergencial para a regulação de relações jurídicas de Direito Privado em virtude da pandemia do coronavírus.
Dentre as disposições desta Lei, merece o devido destaque o art. 5º, que permite que a assembleia geral, inclusive para os fins do art. 59 do Código Civil, seja realizada por meios eletrônicos, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica, até 30 de outubro de 2020.
O parágrafo único deste artigo traz complementação necessária ao prever que a manifestação dos participantes poderá ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, que assegure a identificação do participante e a segurança do voto, e produzirá todos os efeitos legais de uma assinatura presencial.
O Regime Jurídico Emergencial e Transitório trouxe, portanto, uma inovação para as pessoas jurídicas de direito privado, inclusive para as associações, ao permitir que as assembleias possam ser realizadas por meios eletrônicos sem que haja previsão estatutária para tanto. Diante disso, é possível afirmar que referidos dispositivos da Lei se mostram consentâneos às recomendações de isolamento social e de distanciamento, de modo a promover um espaço mais seguro para os associados deliberarem e menos propício à propagação do novo coronavírus.
Nota-se, portanto, que o novo coronavírus em sua disseminação em proporção global, influenciou as dinâmicas sociais nas suas mais diversas camadas, impondo que as empresas, associações e demais pessoas jurídicas que abarcam uma pluralidade de pessoas, reinventem-se nas práticas cotidianas.
Coaduna-se com a possibilidade de realização de assembleias remotas em associações a questão relativa à assinatura digital de contratos, amplamente utilizada no meio jurídico, precipuamente em tempos de pandemia, e validamente reconhecida por diversos tribunais pátrios, com destaque para o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.495.920/DF.
Em síntese, percebe-se que a aprovação do Regime Jurídico Emergencial e Transitório revela uma preocupação dos poderes constituídos na continuidade das atividades das pessoas jurídicas de direito privado, ao passo que dispõe de mecanismos que permitem o desenvolvimento de seus atos essenciais.