Durante muito tempo se discutiu se os procedimentos nos Tribunais de Contas que visam ao ressarcimento ao erário sujeitam-se ou não à prescrição e qual seria o prazo prescricional aplicável para tanto.
Em razão de não haver disposição legal expressa que faça essas indicações, é muito comum que procedimentos como Tomadas de Contas Especial sejam instaurados muitos anos após a ocorrência dos fatos e, mesmo assim, julgados procedentes. Isso, pois os Tribunais de Contas frequentemente rechaçam a aplicação da prescrição nos processos que tramitam nesses.
Acontece que, em abril de 2020, o Supremo Tribunal Federa fixou a tese, no tema de repercussão geral n.º 899, de que é prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas. Essa decisão poderá impactar os inúmeros processos em trâmite perante esses tribunais — especialmente as Tomadas de Contas Especiais — que tiverem sido instaurados há mais de 05 anos da ocorrência dos fatos.
O Tema n.º 899 julgado pelo STF remonta, na origem, à ação de execução proposta pela União em face de ex-presidente da Associação Cultural Zumbi, em Alagoas, que teria deixado de prestar contas de recursos recebidos do Ministério da Cultura e, por esse motivo, sido condenada pelo Tribunal de Contas da União a ressarcir ao erário público os valores obtidos pelo Convênio.
O julgamento pelo STF ganhou tamanha relevância em razão de há muito tempo ser emblemática a discussão sobre a ressalva feita no artigo 37, § 5º, da Constituição Federal, de que seriam imprescritíveis as ações de ressarcimento — argumento comumente utilizado pelos Tribunais de Contas para afastar o reconhecimento da prescrição em seus casos.
Sobre a matéria, ao julgar a prescritibilidade dos ilícitos civis, em fevereiro de 2016, o Supremo firmou o entendimento de que "é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil" (Tema 666 de Repercussão Geral). Já com relação aos ilícitos decorrentes de atos de improbidade administrativa, em 2018, o STF firmou, por maioria, tese no sentido de que "são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa" (Tema 897).
Então, tem-se uma decisão, de 2016, entendendo ser prescritível a ação de ressarcimento ao erário decorrente de ilícito civil; e outra, de 2018, ressalvando essa prescritibilidade nos casos em que o dano for decorrente de ato doloso de improbidade administrativa.
Esses entendimentos, emitidos anteriormente, evidenciaram que a hipótese de imprescritibilidade descrita no art. 37 da Constituição Federal é excepcional e restritiva. Nos termos do que foi decidido, para que o débito seja considerado imprescritível, ele deve ter sido originado por um ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.
Isso fez com que frequentemente, nos Tribunais de Contas, fossem levantados argumentos, pelas partes interessadas, no sentido de que a hipótese de imprescritibilidade não enquadra os processos em trâmite no âmbito desses Tribunais, sob pena de se estar violando o direito de defesa do indivíduo.
Isso, pois, ao contrário do que ocorre na ação civil pública de improbidade administrativa, nas Tomadas de Contas Especiais o ônus de comprovar a regularidade das contas prestadas é do gestor, o que se torna progressivamente dificultoso com o decorrer do tempo, pois sua capacidade de produzir provas é mitigada.
Não se mostra razoável cobrar que ex-gestor público permaneça obrigado a provar que aplicou adequadamente verbas públicas após longos anos dos fatos a serem provados, pois isso vulneraria os princípios da segurança jurídica e da ampla defesa, bases do ordenamento jurídico.
Foi com esse entendimento que o STF, no julgamento do Tema n.º 899, fixou a tese de que é prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas.
O Ministro ALEXANDRE DE MORAES, no voto que fundamentou o julgado, reforçou que a única hipótese em que a pretensão de ressarcimento é imprescritível é no caso de dano ao erário decorrente da prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa (Tema 897 de Repercussão Geral). Em relação a todos os demais atos ilícitos, a pretensão ressarcitória é prescritível, nos termos da tese do Tema 666.
Foi evidenciado, então, que, para que seja imprescritível a pretensão de ressarcimento ao erário, o ato, além de configurar improbidade administrativa, deve ser doloso. E, para se comprovar se houve ou não um ato doloso tipificado na LIA, faz-se necessário apreciar o elemento subjetivo da conduta do agente público.
Acontece que, nos procedimentos administrativos, os Tribunais de Contas não julgam pessoas e não perquirem a existência de dolo decorrente do ato de improbidade administrativa, limitando-se a realizar julgamento técnico das contas, a partir dos elementos provenientes da fiscalização e apuração das supostas irregularidades. É por essa razão, a propósito, que, como visto, as garantias do contraditório e da ampla defesa nesses processos não são asseguradas de forma plena ao interessado — o qual detém o ônus de comprovar a regularidade de suas contas.
Os Tribunais de Contas não são órgãos jurisdicionais, não cabendo a eles fazer exame se a conduta do gestor foi ou não dolosa.
No que tange ao prazo prescricional, como visto, não há disposição fixando prazo determinado para a prescrição. Diante da omissão legislativa, a doutrina e jurisprudência faziam, até o momento, uso da analogia face às demais normas de Direito Público para aferir o prazo aplicável, as quais orientam-se no sentido de estabelecer o prazo prescricional de 5 (cinco) anos para a aplicação de sanções ao administrado.
Em consonância, o Ministro Relator, Alexandre de Moraes, entendeu ser aplicável ao intento de ressarcimento ao erário decorrente de decisão de Tribunal de Contas o disposto no art. 174 do Código Tributário Nacional, que estabelece que a ação para a cobrança de crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos.
O julgamento do Tema n.º 899 pelo STF possui altíssima relevância para a uniformização da jurisprudência dos demais Tribunais, uma vez que não raras são as decisões no sentido de que as ações de ressarcimento ao erário seriam imprescritíveis mesmo se intentadas por essa via administrativa.
A decisão proferida será capaz de modificar o curso de inúmeros processos em trâmite nos Tribunais de Contas. Alguns desses Tribunais, a propósito, chegaram a sobrestar processos que foram instaurados após 05 anos da ocorrência dos fatos, até que se decidisse sobre a aplicação desse entendimento à respectiva corte de contas.
Espera-se, portanto, que o entendimento da Suprema Corte passe a ser aplicado, utilizando o prazo de 5 (cinco) anos para a prescrição da pretensão de ressarcimento ao erário nos procedimentos em trâmite no âmbito dos Tribunais de Contas.