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Desconsideração da Personalidade Jurídica: entenda em que situações a empresa pode responder pela dí



O Direito entende as pessoas jurídicas como centros autônomos de interesses, sendo capazes de titularizar direitos e deveres próprios que não se confundem com os de seus integrantes. No caso das sociedades empresariais, aquelas formadas com o fim de explorar atividade comercial-empresarial, uma das consequências da personalidade jurídica é a autonomia patrimonial. Desse modo, as empresas, como regra, não respondem pelas obrigações de seus sócios e vice-versa. Da mesma forma, o patrimônio de determinada empresa e aquele de seus sócios são incomunicáveis entre si.


Há, no entanto, casos em que a autonomia patrimonial é desvirtuada, tornando-se mero instrumento de proteção dos interesses particulares dos sócios, prejudicando terceiros, sejam estes credores da sociedade ou de seus sócios.


É o que ocorre, por exemplo, no caso de um empresário que transfere seus bens à empresa, a fim de protegê-los de eventuais medidas contra seu patrimônio. Também pode ocorrer o inverso, quando a empresa é devedora e seus sócios esvaziam o patrimônio da sociedade a fim de resguardá-la.


No intuito de remediar tais casos em que não se verifica o exercício de um direito, mas sim um abuso de direito, nosso sistema prevê a desconsideração da personalidade jurídica, a partir da qual “levanta-se o véu da personalidade jurídica”, desconsiderando a regra da autonomia patrimonial, autorizando que se atinja o patrimônio de empresa para satisfazer dívida de seus sócios. Também existe a desconsideração inversa, pela qual se atinge o patrimônio dos sócios para saldar dívida da empresa.


Apesar de a desconsideração da personalidade jurídica encontrar previsão legal em nosso sistema desde 1990, com o Código de Defesa do Consumidor, e ser juridicamente possível desde muito antes, trata-se, ainda, de tema controverso e que gera muitas dúvidas, especialmente diante de inovações legislativas relativamente recentes, nomeadamente a “Lei da Liberdade Econômica”, formalmente Lei nº 13.874 de 2019.


Nesse contexto, este breve artigo busca abordar o tema de maneira clara, sem a pretensão de esgotá-lo, dando enfoque às alterações impostas pela Lei da Liberdade Econômica.


Quais são os requisitos para que ocorra a desconsideração da personalidade jurídica?


O Código Civil (Lei nº 10.406 de 2002), em seu art. 50, estabelece que a desconsideração da personalidade jurídica ocorrerá quando restar comprovado o abuso da personalidade jurídica pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, permitindo que os sócios de determinada sociedade respondam por obrigações desta e vice-versa. Historicamente, tais conceitos não encontravam previsão legal, cabendo ao intérprete determiná-los.


A Lei da Liberdade Econômica, por sua vez, acrescentou os parágrafos 1º ao 5º ao art. 50 do Código Civil, visando a delimitar o conceito de desvio de finalidade como “a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza” e o conceito de confusão patrimonial, como (I) o reiterado cumprimento de obrigações dos sócios pela empresa e vice-versa; (II) a transferência de ativos ou passivos da sociedade sem efetivas contraprestações; e (III) demais atos violadores da autonomia patrimonial.


Nesse sentido, é necessária a constatação de uma destas situações — desvio de finalidade ou confusão patrimonial — e não apenas a insuficiência patrimonial da empresa para que se prossiga com a desconsideração de sua personalidade jurídica.


Trata-se do que a doutrina convencionou como “Teoria Maior da desconsideração”. Diz-se “maior” diante do maior rigor imposto pela lei, em contraponto à “Teoria Menor”, encontrada, por exemplo, no Código de Defesa do Consumidor, em que se faz necessário provar apenas a insolvência da pessoa jurídica devedora para que se atinja o patrimônio de seus sócios.


A despeito da inovação legislativa trazida pela Lei da Liberdade Econômica, parte da doutrina especializada está reticente quanto à eficácia de tais modificações. Isso, pois a nova redação do art. 50 do Código Civil falhou na tentativa de delimitar os conceitos de desvio de finalidade e de confusão patrimonial, uma vez que, com relação ao primeiro, utilizou a expressão “ilícitos de qualquer natureza” (art. 50, §1º) e, quanto ao segundo, optou pela expressão “outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial” (art. 50, §2º, III), remanescendo, portanto, considerável margem para interpretação de tais conceitos.


Não obstante, em que pese haja uma divergência quanto à eficácia das alterações no que concerne à tentativa de delimitar tais conceitos, não podemos ignorar o consenso de que houve, de fato, uma tentativa de delimitar as hipóteses em que cabe a desconsideração da personalidade jurídica. O Legislador buscou tornar essa medida mais criteriosa, mais excepcional, privilegiando a regra da segregação e da autonomia patrimonial entre pessoa jurídica e seus sócios.


A Lei da Liberdade Econômica também se ocupou de limitar a extensão subjetiva dos efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, conforme alteração realizada na parte final do texto do art. 50 do Código Civil, passando a dispor que apenas os sócios que tenham sido “beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso” podem sofrer medidas contra seus patrimônios.


A Lei, portanto, não traça distinção entre o sócio administrador e o investidor passivo ou entre o sócio majoritário e o sócio minoritário, restando como único critério a constatação de eventuais benefícios diretos ou indiretos obtidos por sócios da empresa em decorrência dos atos abusivos praticados. Essa talvez tenha sido a alteração que mais encontrou aprovação da comunidade jurídica, tendo em vista que, anteriormente, reinava a incerteza quanto ao assunto no âmbito do Judiciário. O próprio Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) proferiu entendimentos distintos em diversos casos .


No REsp 1.250.582/MG, de 2016, por exemplo, restou decidido que todos os sócios de determinada empresa poderiam ser responsabilizados pelo abuso cometido, a despeito da efetiva obtenção de benefícios indevidos ou participação dos sócios no abuso.


Entendemos que referido julgado, proferido sob a égide da legislação ultrapassada, não poderá ser utilizado como precedente, prevalecendo o que diz a legislação atual. No entanto, é necessário destacá-lo a fim de demonstrar como era incerto o entendimento dos tribunais a respeito do tema, especialmente no que concerne à extensão subjetiva da desconsideração.


O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica


Além do preenchimento dos requisitos materiais indicados no tópico anterior – o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial – há também procedimento específico que deve ser seguido para que se desconsidere a personalidade jurídica no processo judicial. Trata-se do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (“IDPJ”), que encontra previsão no Código de Processo Civil, artigos 133 a 137.


O pedido de instauração do IDPJ deverá, desde o início, indicar as informações necessárias para a citação dos sócios ou da sociedade cujo patrimônio se busca alcançar, além de demonstrar o preenchimento dos requisitos do art. 50 do Código Civil.


A decisão sobre o incidente demandará o exercício do contraditório e da ampla defesa dos acusados, portanto, após instaurado o incidente, o julgador ordenará a citação dos sócios ou da sociedade nos endereços indicados, para que apresentem defesa no prazo de 15 dias.


Conclusão


Por tudo exposto, conclui-se que a desconsideração da personalidade jurídica, em que pese tenha sofrido recentes alterações legislativas, preserva sua finalidade, qual seja, evitar o abuso da personalidade jurídica com o fito de prejudicar terceiros.


Constatou-se, ainda, que a doutrina especializada diverge quanto ao grau de precisão das alterações trazidas pela Lei nº 13.874 de 2019, mesmo que não seja possível negar as intenções do Legislador de tornar mais criteriosa a desconsideração da personalidade jurídica.


Não obstante, no fim das contas, ainda há margem para interpretação e cada caso guardará características próprias, cabendo às partes e aos advogados identificar como a nova lei poderá ser aplicada à questão -- seja para argumentar que determinado evento deve resultar na desconsideração da personalidade jurídica (inclusive a inversa), seja para argumentar o oposto.


Por fim, cumpre repisar que a desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do processo judicial somente poderá ocorrer após o esgotamento de procedimento especial específico, qual seja, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, regulado pelo Código de Processo Civil, em seus artigos 133 a 137.

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