A aprovação de contas do exercício provavelmente consta entre as cláusulas “padrão” dos contratos sociais da maioria das empresas. Contudo, ocasionalmente, alguns empresários não seguem integralmente as determinações legais ou contratuais, sobretudo em situações em que há uma quantidade reduzida de sócios e/ou quando os próprios sócios atuam como administradores da empresa, deixando de seguir a rigor esse procedimento. Não obstante, a aprovação de contas é muito importante para atestar a regularidade e a transparência dos atos de gestão perante os sócios, inclusive com vistas a prevenir o surgimento de conflitos no âmago da empresa, especialmente naqueles casos em que há uma pluralidade de sócios ou é nomeado administrador não-sócio para gerir a empresa. Por isso, neste artigo vamos abordar os principais aspectos da aprovação de contas, seus requisitos, procedimentos e, principalmente, a importância e obrigatoriedade de sua realização para a boa administração das empresas.
Aprovação de contas
A aprovação de contas constitui ato societário fundamental para a administração das sociedades empresárias, bem como obrigação legal aplicável a todas — incluindo a Sociedade Limitada (LTDA) e a Sociedade Anônima (S.A) — conforme a Lei nº 10.406/02 (“Código Civil”, art. 1.078) e a Lei nº 6.404/76 (“Lei das S.A.”, art. 132). Neste artigo, dedicaremos nossa atenção às Sociedades Limitadas.
A legislação prescreve que as sociedades empresárias, por meio de seus administradores, devem prestar contas aos sócios referentes ao último exercício social finalizado. Dessa forma, a aprovação de contas deve ocorrer, obrigatoriamente, uma vez ao ano, nos quatro meses seguintes ao término do exercício social.
O exercício social é estipulado livremente pelos sócios, no Contrato Social, verificando-se, portanto, caso a caso. Na maioria das empresas, estipula-se que o exercício social se encerrará todo dia 31 de dezembro, correndo o prazo para a aprovação das contas até o fim do mês de abril do ano seguinte.
Procedimentos para a aprovação de contas
A aprovação de contas ocorrerá por meio de assembleia ou reunião de sócios, conforme previsto no Contrato Social. As deliberações na assembleia devem versar sobre as atividades realizadas na empresa, seu planejamento, bem como sobre a homologação das contas da administração, das demonstrações financeiras e da destinação do resultado do exercício social (lucros ou prejuízos).
Como regra procedimental, nas Sociedades Limitadas, os documentos financeiros — nomeadamente, o balanço patrimonial e a demonstração do resultado econômico do exercício (DRE) — devem ser disponibilizados aos sócios com a antecedência mínima de 30 dias (art. 1.078, §1°, CC). O Código Civil não prescreve, detalhadamente, como deve se dar a disponibilização de tais documentos, mas indica-se que essa deve ser expressa, plena e inequívoca, o que significa que o sócio deve ter acesso real e facilitado aos documentos com a antecedência prevista em lei, a fim de que possa ter a oportunidade de analisá-los.
Há decisões judiciais que autorizaram a disponibilização dos documentos via e-mail, em pasta digital em nuvem (por exemplo, Google Drive), ou outras plataformas digitais. Contudo, deve-se certificar de que os documentos estão, de fato, acessíveis a todos os sócios, caso contrário, a assembleia deve ser adiada até que os documentos sejam disponibilizados com a antecedência mínima de 30 dias.
Ao contrário das Sociedades Anônimas, as Sociedades Limitadas não possuem qualquer obrigação de publicar as suas demonstrações financeiras. A esse respeito, vale citar recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, em que se decidiu que nem mesmo as Sociedades Limitadas de grande porte (isto é, com faturamento superior a R$ 240.000.000,00 no ano ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00) devem publicar as suas demonstrações financeiras, haja vista que não há essa previsão na legislação. Logo, em atenção ao princípio da legalidade ou da reserva legal, compreendido como base do Estado Democrático de Direito, somente as leis podem criar novas obrigações às pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas.
Tratando-se de uma assembleia, é necessário seguir os procedimentos convocatórios, quais sejam, a publicação do edital de convocação dos sócios, ao menos três vezes, devendo mediar, entre a data da primeira inserção e a data da realização da assembleia, o prazo mínimo de oito dias para a primeira convocação; e de cinco dias para as posteriores. Vale lembrar que a assembleia é obrigatória apenas para aquelas sociedades que possuem mais de dez sócios, instalando-se com a presença de, no mínimo, ¾ do capital social.
As formalidades de convocação podem ser dispensadas caso todos os sócios compareçam ou se declarem, por escrito, cientes do local, data, hora e ordem do dia. Por isso, havendo a ciência expressa dos sócios, pode uma assembleia ser realizada sem a publicação de editais de convocação e até mesmo em data inferior aos oito dias de antecedência, respeitando-se apenas os trinta dias para a disponibilização dos documentos que já foi exposta anteriormente.
Outra possibilidade às empresas, com o objetivo de simplificar o processo de votação, consiste na dispensa da realização da assembleia, quando todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que deveria ser discutida na assembleia (art. 1.071, § 3°). Dessa forma, podem as empresas redigir uma ata de deliberação dos sócios que será assinada por todos, até mesmo de maneira assíncrona, reduzindo-se os entraves burocráticos da votação.
Instalada a assembleia, será feita a leitura dos documentos, com consequente discussão e votação das contas apresentadas.
Nos casos em que a Sociedade possui até 10 sócios, dispensa-se a obrigatoriedade da assembleia, podendo os sócios, no contrato social, estabelecer regras informais para a tomada de deliberações sociais, por meio das reuniões de sócios. É importante destacar que a forma de convocação para as reuniões pode ser livremente acordada pelos sócios. Contudo, tais previsões devem constar, necessariamente, no contrato social, visto que, em casos de omissão, serão aplicadas as mesmas regras previstas para a convocação das assembleias.
Sócio administrador pode aprovar as suas próprias contas?
Uma das mais importantes limitações à aprovação de contas é a impossibilidade de o sócio que exerce a função de administrador votar em sua própria prestação de contas. O Código Civil determina que nenhum sócio, por si ou na condição de mandatário, pode votar sobre matéria que lhe diga respeito diretamente (art. 1.074, § 2º). Ademais, no próprio artigo da aprovação das contas, são excluídos da deliberação os membros da administração. Destaca-se que a restrição não se aplica àquelas sociedades compostas por apenas um único sócio que também exerce a administração, porquanto não haveria falar em conflito de interesses se apenas um sujeito de interesses é considerado.
Todavia, apesar de ser explícita a vedação ao administrador votar as próprias contas quando este não é o único sócio da empresa, ainda surgem questões relacionadas aos limites da interpretação desses dispositivos.
Por exemplo, imaginemos uma sociedade composta por João (sócio e administrador); João Participações (holding controlada pelo próprio administrador João; e outros sócios. Nessa empresa, seria possível a João Participações aprovar as contas do João ou a decisão caberia somente aos outros sócios?
Nesse ponto, há algumas decisões recentes em que os tribunais têm relativizado essa restrição legal, entendendo que esta não se verifica quando a aprovação das contas se efetiva por pessoa jurídica controlada pelo(a) administrador(a) (TJSP, Apelação Cível 1025312-12.2020.8.26.0114, julgado em 2022). Ainda, em sede de Agravo Interno, o STJ compreendeu que, não violando o disposto na lei, eventuais conflitos de interesses devem ser verificados a posteriori, com a efetiva demonstração de danos para a companhia, de modo a invalidar os votos dos sócios. Desse modo, o que se entende pelos julgados recentes é o sócio pessoa física no cargo de administrador não pode votar na aprovação de contas; mas é situação diferente a sócia pessoa jurídica votar na ocasião, mesmo que esta seja representada pelo administrador. Portanto, defendemos que não há ilegalidade nessa hipótese e que qualquer alegação de prejuízo ou conflito de interesses pelo voto da pessoa jurídica representada por membro da administração deverá ser discutida e devidamente comprovada posteriormente à assembleia, em ação judicial ou procedimento arbitral.
E se a empresa não realizar a aprovação de contas?
A aprovação sem reservas das contas do administrador leva à exoneração de sua responsabilidade a partir do momento em que este quita com suas obrigações referentes ao exercício social finalizado perante os sócios. Essa lógica é extremamente relevante para as sociedades limitadas que possuem administrador não sócio ou que possuem um sócio administrador e uma pluralidade de outros sócios não administradores.
Dessa forma, apenas atos cujo erro, dolo ou simulação sejam expressamente comprovados poderão levar à responsabilização dos administradores após a aprovação de contas sem reservas. Nesses casos, deverá ser proposta ação para anulação da assembleia, na qual se deverá comprovar os elementos que ensejam a responsabilização. Sendo certo que o prazo decadencial para anular a aprovação das contas é de 2 anos, conforme estabelece o art. 1.078, § 4º, do Código Civil.
Nesse sentido, faz-se extremamente necessário que o administrador preste as contas das quais é responsável, a fim de que, além da exoneração da sua responsabilidade, possa passar à sociedade total transparência sobre sua atuação. Além do mais, a aprovação de contas, obrigatória por lei e necessária à administração, poderá trazer maior segurança para investidores em potencial. Além disso, a ausência da aprovação de contas pode ter repercussões fiscais negativas para as empresas que recolhem tributos pelo regime de apuração do lucro real, por exemplo, nos casos em que é feita a distribuição de lucros aos sócios sem a sua devida apuração e constatação em procedimento de aprovação de contas.
Vale lembrar, ainda, que, mesmo passados os 4 meses seguintes ao fim do último exercício social, as empresas ainda podem realizar sua prestação de contas, sem nenhum prejuízo à sociedade[1], haja vista que não há no Código Civil penalidades pela realização fora da data estipulada.
Portanto, é de extrema importância que as sociedades se atentem para a regularização de suas contas. É fundamental que o administrador e a empresa contem com o apoio de profissionais de contabilidade de confiança para a elaboração do balanço patrimonial e o DRE, bem como de assessoria jurídica em caso de dúvidas sobre as repercussões da aprovação de contas nas relações entre os sócios e a sociedade ou superveniência de conflitos.
[1] O mesmo não pode ser dito para as Sociedades Anônimas de capital aberto, as sociedades beneficiadas por recursos oriundos de incentivos fiscais ou demais sociedades que emitam valores mobiliários, inclusive as Sociedades Limitadas, que ofertarem publicamente notas promissórias (Instrução CVM 566/15), porquanto essas são submetidas à fiscalização e às penalidades impostas pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM, dentre as quais cita-se as multas, a suspensão ou a inabilitação para o exercício do cargo e a cassação da autorização ou do registro na CVM.
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