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  • Foto do escritorMaria Eduarda Amaral e Pedro Bittencourt

Cláusulas de Incomunicabilidade e Impenhorabilidade no Planejamento Sucessório


O presente artigo encerra a série de publicações sobre a utilização de cláusulas restritivas como ferramentas para o planejamento sucessório. Nesta oportunidade, abordaremos as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade usadas de forma autônoma[1].


Isso, porque vimos anteriormente que a incomunicabilidade e a impenhorabilidade são efeitos inclusos na cláusula de inalienabilidade. Desse modo, tem-se que essas cláusulas podem tanto ser instituídas de forma conjunta à inalienabilidade, quanto de forma independente, isolando-se os seus efeitos.


É o que se passa a explicar.


Incomunicabilidade


A cláusula de incomunicabilidade é utilizada para excluir um bem da comunhão entre o casal (isto é, do rol de bens comuns) no caso de dissolução do vínculo conjugal.


Os bens comuns entre o casal correspondem aos bens que estão sujeitos à meação e os bens particulares são os excluídos da meação, ambos por força de disposição legal ou por disposição particular nos pactos antenupciais. O direito à meação está presente apenas nos regimes de bens da comunhão universal, comunhão parcial e da participação final nos aquestos.


Anota-se que os artigos 1.658 (comunhão parcial), 1.668 (comunhão universal) e 1.674 (participação final nos aquestos) do Código Civil já preveem os bens que são considerados incomunicáveis, ou seja, particulares para cada um dos regimes.


No entanto, a instituição da cláusula de incomunicabilidade é capaz de “transformar” um bem comum em bem particular e, com isso, excluí-lo da meação. Diante disso, o principal efeito da cláusula de incomunicabilidade é tornar um bem incomunicável.


Ressalte-se que, assim como as demais cláusulas já tratadas nesta série de artigos, a incomunicabilidade é comumente utilizada em instrumentos jurídicos de doação ou de testamento e, para sua utilização, é obrigatória a declaração expressa de justa causa para fundamentar o gravame sobre o bem, caso este venha a ser imposto sobre um bem da legítima[2].


Sendo o bem incomunicável, é importante tratar sobre as cons práticas dessa condição, respondendo às perguntas: “a incomunicabilidade se estende aos frutos gerados pelos bens gravados”, “a incomunicabilidade retira a necessidade de outorga uxória?”, “a cláusula ainda produz efeitos após a morte?” e “é possível doar ou alienar o bem gravado ao cônjuge?”. Responderemos essas questões ao longo do artigo.


Extensão aos Frutos


Os bens, sejam eles móveis ou imóveis, têm o condão de gerar frutos para o titular do patrimônio. A título exemplificativo, podemos citar o recebimento de aluguéis de bem imóvel, a distribuição de lucros de empresa, os valores recebidos a título de arrendamento rural, dentre outros.


A lei prevê expressamente que a incomunicabilidade imposta por uma cláusula restritiva não atinge os frutos gerados pelo bem, conforme disposição dos artigos 1.660, V e 1.669 do Código Civil. Assim, conforme as regras dispostas em cada regime de bens, os frutos gerados pelos bens gravados com incomunicabilidade poderão ser partilhados a título de meação.


Outorga Uxória ou Outorga Conjugal


A outorga uxória ou outorga conjugal consiste na vedação legal à prática de alguns atos de disposição do patrimônio sem a autorização do cônjuge. Essa vedação está prevista no art. 1.647 do Código Civil, abaixo transcrito:


Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;

III - prestar fiança ou aval;

IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.

Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada.


Desse modo, as ações previstas acima dependem de declaração expressa do cônjuge no sentido de autorizar o ato.


A outorga é necessária independentemente do regime de bens e da natureza do bem a ser disposto, se particular ou comum.


As únicas exceções para a outorga conjugal são os casamentos submetidos ao regime da separação de bens, seja a obrigação convencional ou legal, e os casamentos sob o regime de participação final nos aquestos, em que o casal regula no pacto antenupcial a dispensa da autorização conjugal, desde que para bens particulares, conforme previsto no art. 1.656 do Código Civil.


Diante disso, é possível verificar que a lei não considera a cláusula de incomunicabilidade uma exceção à outorga conjugal, sendo mantida sua obrigatoriedade. Esse entendimento advém da interpretação sistemática dos dispositivos aplicáveis e ainda não se consolidou nos tribunais pátrios, mas vem sendo reiterado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo[3].


Eficácia da Cláusula de Incomunicabilidade após a Morte


É imprescindível que o instituidor da cláusula de incomunicabilidade (1ª geração) tenha conhecimento de que o referido gravame perde seus efeitos após a morte do beneficiário do patrimônio (2ª geração). Explica-se.


A cláusula de incomunicabilidade somente produzirá efeitos enquanto durar a vida da pessoa que recebeu o bem gravado (2ª geração). Desse modo, após a morte do beneficiário do patrimônio gravado, os seus herdeiros (3ª geração) receberão o bem livre de quaisquer ônus. Desse modo, para que a incomunicabilidade atinja a 3ª geração, é necessário que o primeiro beneficiário do patrimônio gravado expressamente institua o gravame em relação aos seus herdeiros, por meio de testamento ou doação.


Além disso, é relevante frisar que a incomunicabilidade somente exclui o direito de meação do cônjuge, mas não é capaz de impedir o recebimento do bem a título de herança. Desse modo, com a morte do beneficiário, o cônjuge tem direito a concorrer com os herdeiros descendentes para o recebimento do bem incomunicável, seguindo os ditames legais aplicáveis à sucessão[4].


Doação ou Alienação ao Cônjuge do Bem Gravado com Cláusula de Incomunicabilidade


Por fim, cumpre salientar que é controverso na doutrina e na jurisprudência a possibilidade de alienação de bem gravado com incomunicabilidade ao cônjuge, seja a título gratuito ou oneroso.


O Superior Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de ser possível a alienação do bem gravado com cláusula de incomunicabilidade[5] a terceiros, mas não tratou de caso concreto em que a alienação se dá a cônjuge. Não há, então, posicionamento consolidado quanto à possibilidade de alienação ao cônjuge, gratuita ou onerosamente, de bens gravados com incomunicabilidade.


Assim, para abranger, com segurança, a vedação à alienação ao cônjuge, seja a título oneroso ou gratuito, é importante que o bem seja gravado com a cláusula de inalienabilidade.


A cláusula de incomunicabilidade, portanto, é uma ferramenta a ser considerada para o planejamento sucessório, quando se tem o objetivo de garantir que o patrimônio transmitido não se dilua ou se perca devido a possíveis dissoluções conjugais dos sucessores ou outros beneficiários. Não obstante a inegável utilidade, é extremamente importante que as peculiaridades desse instrumento sejam plenamente conhecidas por quem porventura venha a utilizá-lo.


Impenhorabilidade


A cláusula de impenhorabilidade, por sua vez, tem como principal efeito tornar o bem a ser transmitido impenhorável, o que significa dizer que o bem estaria protegido de uma constrição judicial com o objetivo de garantir uma dívida, seja qual for a natureza da dívida cobrada.


A cláusula é oponível a todos os credores da pessoa beneficiada com o bem, sem distinção. Como já tratado anteriormente, não é, todavia, oponível aos credores da pessoa que instituiu a cláusula, ou seja, a pessoa que transmitiu o patrimônio.


Assim, a cláusula não é uma ferramenta útil para ser utilizada com o objetivo de blindar o patrimônio do titular do patrimônio em relação às suas dívidas, mas apenas para proteger o bem em face do possível endividamento do beneficiário da doação ou do testamento.


Extensão da Impenhorabilidade para os Frutos


Diferentemente do que ocorre com a cláusula de incomunicabilidade, há relevante controvérsia quanto à extensão da impenhorabilidade aos frutos do bem gravado.


É possível dizer que há quatro diferentes vertentes para a resposta a essa questão. A primeira vertente entende não ser possível a impenhorabilidade dos frutos, com base no que previa o art. 1.723 do Código Civil de 1916; a segunda vertente entende que a impenhorabilidade necessariamente atinge os frutos, sob o fundamento de que os bens acessórios seguem o destino do bem principal; a terceira vertente, por sua vez, entende que a impenhorabilidade somente alcança os frutos se o testador ou doador expressamente estipular; e, por fim, uma quarta vertente entende que a impenhorabilidade somente alcança os frutos se o beneficiário do patrimônio não possuir outros bens, com base no art. 650 do Código de Processo Civil de 1973 e no art. 834 do Código de Processo Civil atual[6].


Assim, ao utilizar a cláusula, é importante que se conheça a imprevisibilidade da extensão da proteção aos frutos do bem gravado. Nada obstante, se a intenção do instituidor é aplicar a impenhorabilidade, também, aos frutos do bem gravado, recomenda-se a inclusão de disposição expressa nesse sentido, com vistas a contemplar tanto a segunda quanto a terceira vertente, descritas acima. Eis, novamente, a importância de contar com uma redação técnica para a instituição dessas cláusulas.

Eficácia da Cláusula após a Morte


Há grande discussão doutrinária quanto à continuidade do efeito da cláusula de impenhorabilidade após a morte do beneficiário, em relação às dívidas contraídas pelo falecido em vida. Autores como Carlos Alberto Dabus Maluf, Francisco Morato, Clóvis Beviláqua, Mario Roberto Carvalho de Faria e Rose Melo Vencelau Meireles entendem que a impenhorabilidade se mantém em relação às dívidas do falecido, mesmo após a morte.


No entanto, a jurisprudência vem consolidando entendimento diverso, em que se entende que a impenhorabilidade cessa seus efeitos com a morte do beneficiário, sendo possível, então, a partir do óbito, a constrição judicial do bem anteriormente gravado para todas as dívidas do falecido.


Por fim, em relação às dívidas dos sucessores do falecido (que em vida era beneficiário do bem gravado com impenhorabilidade), é incontroversa a cessação dos efeitos da cláusula, de modo que os credores dos sucessores podem alcançar o bem herdado, uma vez que é esse recebido livre de quaisquer ônus.


Assim, é possível verificar que a cláusula de impenhorabilidade é um instrumento de extrema valia para que o titular do patrimônio possa transmiti-lo, seja em vida ou após a morte, garantindo a proteção do bem ao possível endividamento do seu sucessor.


Conclusão


Com isso, encerra-se a série de artigos acerca da utilização de cláusulas restritivas (usufruto, inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade) para a estruturação de planejamento sucessório.


Diante do exposto ao longo das três publicações, é evidente a necessária atenção aos detalhes e à técnica jurídica na redação dos instrumentos, sejam eles públicos ou privados, que instituirão gravames sobre bens transmitidos a herdeiros ou terceiros alheios à sucessão.


Nossa equipe especialista em Direito Sucessório pode te ajudar de alguma forma? Fale conosco.



[1] Acerca da independência das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, vide a íntegra do REsp n.º 1.155.547/MG. [2] O requisito da justa causa foi abordado no primeiro artigo desta série, “Uso de cláusulas restritivas no planejamento sucessório: cláusula de usufruto “, disponível neste link. [3] Vide Apelação Cível n.º 1001439-63.2020.8.26.0443 (TJSP), Apelação Cível n.º 1001436-11.2020.8.26.0443 (TJSP) e Apelação Cível n.º 1001438-78.2020.8.26.0443 (TJSP). [4] “Como visto, o testador impôs a cláusula de incomunicabilidade. Como con, é possível concluir que os bens deixados à filha não se comunicavam ao cônjuge, ou seja, não havia meação e, relação a eles. Essa disposição não afasta a conclusão de que, falecida a filha, o cônjuge sobrevivente, assim como quaisquer outros herdeiros necessários, tem direito à sua herança, nela incluídos aqueles bens. É que a cláusula de incomunicabilidade imposta a um bem não se relaciona com a vocação hereditária. Assim, se o indivíduo recebeu por doação ou testamento bem imóvel com a referida cláusula, sua morte não impede que seu herdeiro receba o mesmo bem. São dois institutos distintos: cláusula de incomunicabilidade e vocação hereditária. Diferenciam-se, ainda: meação e herança.” (STJ - REsp n.º 1.552.553/RJ, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 24/11/2015, DJe de 11/2/2016.)”. [5] “Conclui-se, portanto, que a melhor interpretação do caput do art. 1.911 do Código Civil de 2002 é aquela que conduz ao entendimento de que: a) há possibilidade de imposição autônoma das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, a critério do doador/instituidor; b) uma vez aposto o gravame da inalienabilidade, pressupõe-se, ex vi lege, automaticamente, a impenhorabilidade e a incomunicabilidade; c) a inserção exclusiva da proibição de não penhorar e/ou não comunicar não gera a presunção da inalienabilidade; d) a instituição autônoma da impenhorabilidade não pressupõe a incomunicabilidade e vice-versa.” Vide REsp n.º 1.155.547/MG. [6] As quatro vertentes doutrinárias descritas são citadas e aprofundadas no Título II, Capítulo III da seguinte obra: CARVALHO, Luiz Paulo Vieira de. Direito das Sucessões. São Paulo: Grupo GEN, 2019.

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