Portaria da AGU atualiza regras para Acordo de Não Persecução Civil em casos de improbidade administrativa
- Ana Vogado e Elisa Menezes
- 31 de jul.
- 4 min de leitura

A Advocacia-Geral da União (AGU) publicou, nesta segunda-feira (28 de julho de 2025), a Portaria Normativa nº 186, de 25 de julho de 2025, que atualiza os procedimentos internos da Procuradoria-Geral da União e da Procuradoria-Geral Federal para a formalização de Acordos de Não Persecução Cível (ANPC) no âmbito da Lei de Improbidade Administrativa.
A Portaria nº 186 foi editada com o objetivo de alinhar a atuação da AGU às inovações legislativas e às exigências estabelecidas pela nova ordem jurídica. Entre os principais pontos incorporados estão a limitação do ressarcimento do dano à participação do agente nos atos ilícitos e a necessidade de homologação judicial do ANPC, independentemente da fase processual em que for firmado, seja antes do ajuizamento da ação de improbidade, durante sua tramitação ou na fase de execução.
A atualização normativa representa um avanço na promoção de soluções mais ágeis, proporcionais e equilibradas em matéria de improbidade administrativa. Ao incentivar a via consensual, o Acordo de Não Persecução Cível possibilita não apenas a recomposição eficiente do patrimônio público, mas também oferece aos investigados uma possibilidade juridicamente segura e menos onerosa, com redução de riscos processuais e estigmas decorrentes da judicialização prolongada.
Além de contribuir para a racionalização da atuação estatal e a redução da litigiosidade, a medida permite que os recursos públicos e institucionais sejam direcionados a casos em que a persecução judicial se revele indispensável. Com isso, a AGU reafirma seu compromisso com uma atuação moderna, responsável e em sintonia com os princípios da eficiência, proporcionalidade, legalidade e interesse público.
O Acordo de Não Persecução Civil (ANPC) na Nova Lei de Improbidade Administrativa
Com a promulgação da Lei nº 14.230/2021, que reformulou substancialmente a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), atualizou-se o instituto do ANPC como instrumento legítimo de resolução consensual em casos de improbidade. Trata-se de uma importante inovação legislativa que visa à desjudicialização, à responsabilização proporcional dos envolvidos e, sobretudo, à reparação célere do dano causado ao erário.
A medida busca promover a reparação dos danos e a responsabilização dos envolvidos sem a necessidade de uma ação judicial, desde que atendidos os requisitos legais, com ênfase na proteção do interesse público.
Previsto no artigo 17-B da nova redação da LIA, o acordo exige, como condições essenciais, o integral ressarcimento do dano ao patrimônio público e a devolução de eventuais vantagens indevidas auferidas, inclusive quando provenientes de agentes privados.
A norma também estabelece critérios substanciais que devem ser observados durante as tratativas, como a análise da personalidade do agente, a natureza, a gravidade e a repercussão social do ato de improbidade, além da avaliação das vantagens para o interesse público de uma solução rápida do conflito.
Outro ponto relevante é a participação do Tribunal de Contas competente na apuração do valor do dano a ser ressarcido, devendo se manifestar indicando os parâmetros utilizados na estimativa.
O ANPC pode ser celebrado em qualquer fase do processo: durante a investigação, no curso da ação judicial ou até mesmo na fase de execução da sentença condenatória.
O acordo ainda pode incluir medidas adicionais voltadas à promoção da integridade institucional, como a adoção de mecanismos de auditoria, incentivo à denúncia de irregularidades e implementação de códigos de ética e conduta.
Em síntese, o ANPC consolida-se como um instrumento moderno de solução consensual em matéria de improbidade administrativa, promovendo maior eficiência, proporcionalidade e racionalidade na atuação estatal. Ao viabilizar a reparação dos danos de forma célere e dialogada, o ANPC concilia o interesse público com a segurança jurídica dos envolvidos, evitando a judicialização desnecessária de conflitos e a perpetuação de litígios.
Nesse contexto, diversas instituições vêm se adequando às novas diretrizes da Lei nº 8.429/1992, com as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021. No âmbito do Ministério Público, por exemplo, foi publicada a Resolução CNMP nº 306/2025, em 17 de fevereiro de 2025, a qual estabelece parâmetros gerais para a celebração do acordo de não persecução civil, fixando o prazo de 120 dias para que os ramos da instituição adaptem seus atos normativos internos aos termos da resolução.
A necessidade de regulamentação detalhada do ANPC decorre de lacunas e divergências interpretativas que ainda persistem na aplicação prática do novo regime jurídico. Um exemplo recorrente refere-se aos casos em que réus foram condenados solidariamente por atos de improbidade sob a vigência do regime anterior, mas ainda não houve trânsito em julgado da decisão. Com a entrada em vigor da Lei nº 14.230/2021, a solidariedade deixou de ser admitida, tornando ilegais tais condenações nos processos em curso.
Entretanto, ao se buscar uma solução consensual por meio do ANPC, deparam-se as partes, por vezes, com entraves na negociação, especialmente diante da exigência legal de ressarcimento integral do dano como condição para a celebração do acordo, nos termos do inciso I do art. 17-B da nova redação da LIA. Tal interpretação pode inviabilizar acordos em que o agente aceita sua responsabilidade, mas apenas na medida de sua participação efetiva no ilícito.
Diante desse cenário, as regulamentações vêm para dar maior clareza e segurança jurídica às partes envolvidas. Nesse sentido, destaca-se a previsão expressa da Portaria Normativa da AGU de que o ressarcimento no âmbito do ANPC deve observar a extensão da atuação do agente nos atos ímprobos, conforme dispõe o § 2º do art. 3º: “O ressarcimento do dano será limitado à participação do agente nos atos ilícitos, ressalvada a possibilidade de o agente voluntariamente se corresponsabilizar por montante superior.”
Além disso, a Portaria prevê que pra a celebração de ANPC e a definição de suas obrigações e possíveis sanções, deverão ser considerados, dentre outros, a natureza e a gravidade da infração cometida, a personalidade do agente, aferida por meio de seus antecedentes, o grau de cooperação do celebrante para a apuração das infrações, a situação econômica do celebrante, a natureza do cargo, emprego ou função pública do agente envolvido e seus antecedentes funcionais, as vantagens, para o interesse público, da rápida solução do caso, dentre outras circunstâncias agravantes ou atenuantes. Todos esses elementos favorecem a celebração de acordos consensuais mais ágeis e adequados à medida da responsabilidade atribuída aos agentes envolvidos.
Nesse contexto, é importante que as Procuradorias locais sejam estimuladas a adotar as mesmas balizas, de forma a evitar assimetrias na condução dos acordos e a garantir maior isonomia no tratamento dos casos.
Esses avanços normativos e a uniformização interpretativa são fundamentais para consolidar o ANPC como um instrumento confiável, previsível e efetivo de solução consensual de conflitos, fortalecendo a segurança jurídica dos acusados e resguardando, ao mesmo tempo, o interesse público e os direitos e garantias dos investigados.
Kommentare