Na vida em sociedade, diversas são as vezes em que interesses pessoais entram em conflito, de modo que, quando impossível realizar uma conciliação na esfera extrajudicial, muitas vezes as partes recorrem ao Poder Judiciário para dirimir essas divergências.
Nas hipóteses em que o litígio envolve pessoas de direito privado, o Poder Judiciário pode determinar que seja cumprida uma obrigação de dar, de fazer ou de não fazer, a depender da natureza do conflito e do conteúdo da prestação.
Quando o executado é condenado a pagar determinada quantia por meio de sentença proferida em processo judicial, a princípio determina-se o pagamento voluntário no prazo de quinze dias e, em caso de não cumprimento, ao valor devido será adicionada multa de 10% e honorários advocatícios na mesma porcentagem. Além disso, nos casos em que o executado não der cabo ao pagamento voluntário, será expedido mandado de penhora e avaliação, seguindo-se os atos de expropriação.
No entanto, quando a Fazenda Pública é condenada a cumprir uma obrigação de pagar, ela não realiza o pagamento voluntário do débito ou tem seus bens penhorados. Isso, pois o Código Civil atribui a característica de inalienabilidade aos bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial, enquanto estão afetados — ou seja, enquanto são utilizados diretamente pela população ou quando entidades e órgãos públicos os utilizam para a realização de suas atividades públicas.
O Código de Processo Civil complementa esse raciocínio quando estipula a impenhorabilidade dos bens inalienáveis. Dessa forma, sendo os bens públicos, em regra, inalienáveis, não podem ser, assim, objeto de penhora que pretende sanar um débito da Fazenda Pública.
A princípio, é importante entender que, para o regime de pagamento por precatórios, a abrangência da Fazenda Pública contempla todas as esferas federativas, sobretudo a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios — e suas respectivas agências reguladoras. Dessa forma, percebe-se que não gozam da sistemática de precatórios as empresas públicas e as sociedades de economia mista, ainda que integrem a Administração Pública Indireta, pois não são considerados entes de direito público.
Segundo a Constituição Federal, em seu art. 100, os pagamentos devidos pela Fazenda Pública, decorrentes de sentença judicial, serão realizados por meio de precatórios, observando a ordem cronológica de apresentação. Ou seja, os precatórios decorrem de um título executivo judicial em que a Fazenda Pública foi condenada a cumprir uma obrigação de pagar quantia certa.
Destaca-se que é possível que a Administração Pública seja condenada ao pagamento de quantia incerta, hipótese na qual se faz necessário realizar a liquidação do título. Apenas após a apuração do valor exato será possível dar seguimento à execução. Para tanto, é possível que esse valor seja auferido por procedimento comum ou por arbitramento.
No entanto, é importante pontuar que o regime de expedição de precatórios não se aplica a todos os débitos da Fazenda Pública, sobretudo em relação às obrigações de pequeno valor decorrentes de sentença judicial transitada em julgado. Para que se possa identificar as hipóteses de incidência da sistemática dos precatórios, é importante observar o valor da condenação. No entanto, esse valor é flutuante, ou seja, o limite para determinar o enquadramento do débito da Fazenda Pública como precatório ou como requisição de pequeno valor (RPV) deve ser apurado por cada ente, por meio de lei própria que deve levar em consideração as respectivas capacidades econômicas.
No âmbito federal, as obrigações definidas como de pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório, têm como limite o mesmo valor estabelecido na Lei n.º 10.259/2001 para a competência do Juizado Especial Federal Cível. Ou seja, quando o débito que a Fazenda Pública tem não supera sessenta salários mínimos, não atrai a aplicação do regime de precatórios.
Diante disso, pode-se imaginar a possibilidade de fracionamento dos precatórios para serem pagos na forma de várias parcelas de RPV, o que, em tese, garantiria celeridade no recebimento do crédito pelos exequentes. Todavia, a Constituição Federal é expressa ao determinar a impossibilidade de fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, bem como de expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago.
Considerando as duas formas de cumprimento do débito fazendário (precatórios e RPV) impende ressaltar que a diferença entre elas diz respeito sobretudo ao tempo e à forma como este será realizado. Em relação ao procedimento, as condenações de pequeno valor não se submetem à sistemática de precatórios, o que permite que a Fazenda Pública realize o pagamento voluntário do valor que entende ser devido e atribui certa celeridade para o cumprimento da obrigação.
De outra forma, os precatórios devem ser submetidos a um procedimento mais complexo. Veja, uma vez constatado que a Administração Pública não apresentou impugnação ao cumprimento da sentença ou com o trânsito em julgado da decisão que a rejeitar ou a inadmitir, deve o juiz determinar a expedição do precatório pelo Presidente do respectivo tribunal, consignando, portanto, o valor do crédito em face da Fazenda Pública .
Em seguida, conforme o rito estabelecido pela Constituição Federal, os valores dos precatórios devem ser incluídos no orçamento das entidades de direito público, na condição de verba necessária ao pagamento de seus débitos. Essa sistemática se aplica aos precatórios apresentados até 1º de julho de cada ano, os quais devem ser pagos até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores monetariamente atualizados. Ou seja, os precatórios apresentados até 1º de julho de 2018 devem ser pagos até o final do ano de 2019, por exemplo.
No entanto, apesar da obrigatoriedade da inclusão do precatório no orçamento do ano seguinte, caso não haja disponibilidade financeira, o débito não será efetivamente pago e tampouco haverá qualquer implicação negativa para a entidade pública. Configura-se, assim, um dos principais entraves que os credores de precatórios encontram para o recebimento de seus créditos ante a Fazenda Pública.
Para além disso, cumpre destacar que a Constituição Federal prevê a existência de precatórios de natureza alimentar, que são aqueles referentes a débitos da Fazenda Pública que decorrem de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez. Destaca-se que os débitos fazendários de tal natureza têm preferência de pagamento, de forma que devem ser criadas duas ramificações: uma para os precatórios alimentícios e outra para os demais débitos , sendo que cada uma deve observar a respectiva ordem cronológica.
Ainda, importa destacar a preferência na ordem de pagamento dos precatórios de natureza alimentícia cujos credores, originários ou por sucessão hereditária, têm mais de sessenta anos de idade ou sejam portadores de doença grave ou de deficiência. Nessas hipóteses, o valor do precatório pode ser fracionado no limite máximo de cento e oitenta salários mínimos, para que seja pago prioritariamente. Por conseguinte, o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório.
Por derradeiro, ressalta-se a importância de compreender as formas de pagamento dos débitos da Fazenda Pública, sobretudo para garantir um processo isento de vícios e para que os valores devidos pela Administração sejam efetivamente pagos a todos os seus credores, sobretudo os titulares de precatórios e de Requisições de Pequeno Valor.
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