A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), instituída por meio da Lei n.º 12.441/2011, que inseriu as EIRELIs no Código Civil por meio do art. 980-A, buscava suprir importante demanda existente em nosso ordenamento jurídico, o exercício da atividade empresarial por um único sócio com responsabilidade limitada, isto é, que a responsabilidade do titular fosse restrita ao valor do capital social integralizado, tal como ocorre nas sociedades empresariais de responsabilidade limitada (LTDA). Essa necessidade surgiu porque as LTDAs exigiam, no mínimo, dois sócios, o que constituía um óbice para que as sociedades compostas por um único sócio pudessem adotar esse modelo societário.
Essa situação resultava em um problema de ordem prática: o exercício irregular das atividades econômicas, com sociedades limitadas em que eram indicados como sócios pessoas sem efetivo vínculo com a sociedade, apenas para que a empresa pudesse se encaixar nos moldes exigidos para as LTDAs.
Isso, porque a responsabilidade limitada dos sócios e, por consequência, a segregação patrimonial proporcionada pelo regime LTDAs, constitui, via de regra, uma grande vantagem, uma vez que o patrimônio dos sócios não será atingido em virtude de dívidas da sociedade, assim como a sociedade também não responderá por dívidas de seus sócios, salvo nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, cujas hipóteses já abordamos anteriormente em nosso site.
As EIRELIs, portanto, buscavam solucionar este problema, permitindo que a atividade empresarial constituída por apenas um sócio pudesse ser exercida com responsabilidade limitada, sem que fosse necessário simular a existência de um outro sócio.
Posteriormente, em 2019, foi criada a Sociedade Limitada Unipessoal (SLU), por meio da Medida Provisória n.º 881/2019, conhecida como “MP da Liberdade Econômica”, convertida na Lei n.º 13.874/2019. Passaram a coexistir então, com suas diferenças, as EIRELIs e as SLUs.
As EIRELIs sempre foram alvos de críticas, especialmente em virtude da exigência de capital social mínimo para sua constituição (100 salários-mínimos) e o impedimento à criação de mais de uma pessoa jurídica nesse modelo societário por uma mesma pessoa natural. A SLU veio, então, para possibilitar o mesmo que a EIRELI, mas sem os entraves antes existentes.
Recentemente, a Medida Provisória n.º 1040/2021, convertida na Lei n.° 14.195/2021 (Lei de Melhoria do Ambiente de Negócios), extinguiu a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), determinando, em seu art. 41, que todas as EIRELIs existentes, na data de entrada em vigor dessa lei, fossem automaticamente transformadas em Sociedades Limitadas Unipessoais.
No entanto, um veto presidencial a uma parte de um dispositivo da Medida Provisória gerou um debate doutrinário acerca da possibilidade de instituição de novas EIRELIs, mesmo a despeito da nova lei.
Isso, porque o Presidente da República vetou o art. 57, XXIX, alíneas “a” e “e”, que revogava o inciso VI do artigo 44 e o artigo 980-A, todos do Código Civil, sendo o último justamente sobre as EIRELIs. Em vista disso, com a não revogação dos artigos mencionados, restaram dúvidas acerca do alcance da decretação de extinção às EIRELIs ― se afetaria somente aquelas existentes na data da Lei n. 14.195/2021, ou se, por revogação tácita do Art. 980-A, não seria mais possível também registrar novas EIRELIs.
O que ocorre é que a EIRELI continua prevista no Código Civil, em virtude da não revogação dos dispositivos supramencionados. Sendo assim, alguns doutrinadores entenderam pela possibilidade de existirem novos registros desse modelo societário, apesar da transformação dos já existentes em Sociedades Limitadas Unipessoais.
Diante situação, coube ao Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI), órgão vinculado ao Ministério da Economia, divulgou o Ofício Circular SEI 3510/2021/ME, endereçado à todas as Juntas Comerciais do País, no qual constam orientações relacionadas ao artigo 41 da Lei 14.195/2021, que determina a transformação de todas as Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada (EIRELI) em Sociedades Limitadas Unipessoais (SLU).
O DREI entendeu que o disposto no artigo 41 da Lei de Melhoria do Ambiente de Negócios é contrário às disposições contidas no Código Civil que regulamentam a EIRELI (o inciso VI do art. 44 e do art. 980-A e parágrafos, todos do Código Civil) e, portanto, seria incompatível a manutenção da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada no ordenamento jurídico pátrio, o que enseja a revogação tácita do tipo societário, nos termos do art. 2º, §1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
O Ofício baseou-se, principalmente, no objetivo da Lei n.° 14.195/2021 de extinguir a EIRELI, vide seu art. 41, que determinou que todas as empresas existentes registradas nesse modelo fossem automaticamente transformadas em Sociedades Limitadas, e seu art. 57, inciso XXXI, alíneas 'a' e 'e', que acabou sendo vetado, mas determinava a revogação do inciso VI do art. 44 e do art. 980-A do Código Civil, que tratam da EIRELI. O Ofício argumenta ainda que o dispositivo foi vetado exclusivamente pois também revogava outros artigos do CC referentes às regras de registro das sociedades simples (art. 998) e de constituição de filial de sociedades simples (art. 1.000), que, ao ver da Presidência, não deveriam ser revogados. Portanto, não sendo possível o veto parcial, necessário foi o veto do dispositivo por inteiro. Todavia, de nenhuma forma o veto objetivou suprimir a extinção da EIRELI, sendo mantido o art. 41. Assim, o DREI sustentou que houve a revogação tácita do inciso VI do art. 44 e do art. 980-A e seus parágrafos, ambos do Código Civil.
Além disso, consoante instruções passadas às Juntas Comerciais, devem as Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada já constituídas serem transformadas automaticamente em Sociedades Limitadas Unipessoais, nos termos do art. 41 da Lei nº 14.195. Devem ainda, as Juntas Comerciais, absterem-se de arquivar a constituição de novas EIRELIs, devendo informar aos usuários da extinção dessa espécie de pessoa jurídica no ordenamento jurídico brasileiro e sobre a possibilidade de constituição de sociedade limitada por apenas uma pessoa.
Verifica-se, portanto, que a rápida atuação do DREI sanou a discussão que surgia acerca da efetiva extinção das EIRELIs de nosso ordenamento jurídico, a partir da orientação para que as juntas comerciais se abstenham de arquivar a constituição de novas EIRELIs.
Como dito anteriormente, apesar dos avanços trazidos pela EIRELI, ainda existiam significativos óbices a quem desejasse abrir, sozinho, um negócio. Isso, porque a EIRELI exigia um capital social mínimo de 100 salários-mínimos para sua constituição e impedia a criação de mais de uma pessoa jurídica nesse modelo societário por uma mesma pessoa natural. Ademais, os outros tipos societários possíveis ao empreendedor individual, o microempreendedor individual (MEI) e o empresário individual (EI), impõem limites máximos de faturamento e não proporcionam segregação patrimonial entre sócio e empresa.
Desse modo, os empreendedores deveriam escolher entre se adequar às dificultosas exigências impostas pela EIRELI ou suportar as desvantagens do MEI e do EI.
Por isso, a consolidação das Sociedades Limitadas Unipessoais em nosso ordenamento se mostrou significativamente positiva para o ambiente de negócios brasileiro, porque possibilita que projetos sejam iniciados com baixo capital social, o qual pode ser expandido progressivamente, e desfrutem de tributação mais vantajosa, mediante escolha adequada do regime tributário a ser adotado (lucro presumido ou lucro real), além da isenção na tributação de lucros distribuídos aos sócios.
Como visto, as SLUs desfrutam de diversas vantagens e possibilidades, o que também enseja maiores cuidados por seus sócios e administradores. Nesse cenário, é recomendada a atuação de uma equipe jurídica especializada para auxiliar os empresários com a redação de contratos sociais e outros instrumentos societários, com a escolha do regime tributário mais vantajoso de acordo com o porte e a atividade da empresa, bem como tratar das peculiaridades legais de cada caso, como a obtenção de licenças perante agências reguladoras, quando necessário.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
OFÍCIO CIRCULAR SEI nº 3510/2021/ME. Site oficial do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração. 9 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/drei/legislacao/arquivos/oficios-circulares-drei/2021/orientacoes-sobre-a-realizacao-de-arquivamentos-diante-da-revogacao-tacita-da-empresa-individual-de-responsabilidade-limitada-constante-do-inciso-vi-do-art-44-e-do-art-980-a-e-paragrafos-do-codigo-civil.pdf. Acesso em: 01 de novembro de 2021.
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