
Em recente julgado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a Quarta Turma do TRF da 3ª Região manteve a nulidade da Resolução Normativa n.º 153/2007 (revogada pela RN n.º 305/2012), da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por violar a intimidade e a privacidade dos usuários de planos de saúde.
A Resolução da ANS instituiu um padrão obrigatório para troca de informações em saúde suplementar (TISS), entre operadoras de planos privados de assistência à saúde e prestadores de serviços de saúde, sobre os eventos realizados em beneficiários do plano. Ou seja, o ato normativo determinava o compartilhamento de diversas informações confidenciais acerca do estado de saúde dos pacientes entre prestadoras de serviço e operadoras de planos de saúde.
Na tentativa de defender os interesses dos pacientes e manter hígido o Código de Ética Médica, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) ajuizou Ação Civil Pública, em 2007, requerendo a nulidade da RN n.º 153/2007.
Em 2013, o Juízo da 24ª Vara Federal do TRF da 3ª Região prolatou sentença pela nulidade da Resolução Normativa, considerando ilegal e indevida a obrigação de fornecer dados confidenciais e íntimos dos pacientes nas fichas de informação do sistema TISS, por violar o direito à intimidade e o dever de sigilo da relação médico-paciente. Além disso, foi reconhecido que o sistema instituído infringia o Código de Ética Médico.
Irresignada com a decisão, a ANS interpôs recurso de apelação. Nessa oportunidade, a agência argumentou, em suma, que a Resolução não violaria o sigilo médico ou a intimidade dos pacientes, tendo em vista que a norma teria tão somente padronizado as guias e informações já trocadas pelas operadoras de planos de saúde.
Posteriormente, em 21 de junho de 2018, a Quarta Turma do TRF da 3ª Região negou provimento ao recurso. Em seu voto, a Desembargadora Relatora Mônica Nobre afirmou que a ANS foi a responsável por instituir o sistema de troca de informações, de forma a permitir o compartilhamento de diversos dados confidenciais dos pacientes. Com isso, declarou que restou configurada a violação ao sigilo médico, à privacidade e à intimidade dos usuários dos planos de saúde.
A Desembargadora afirmou, ainda, que o ato normativo contraria a Resolução n.º 1.246/88 do Conselho Federal de Medicina, que veda ao médico revelar fato que tenha conhecimento em virtude de sua profissão.
Em seu voto, a Relatora repisou exemplo utilizado na sentença no que tange aos pacientes da área de psiquiatria, lembrando que, nesses casos, ao fornecer às demais operadoras a classificação da doença, os usuários de planos de saúde poderão ser estigmatizados a partir de determinada enfermidade, que, ressalte-se, pode ser descartada posteriormente.
No cenário estabelecido na Resolução, as operadoras dos planos de saúde poderiam elaborar “listas negras”, com o intuito de identificar os portadores de determinadas doenças e, de acordo com gravidade e os gastos necessários para tratar a enfermidade, impedi-los de contratar planos privados de saúde — violando a intimidade do paciente.
Aduziu a Desembargadora, ainda, que há causas excepcionais que permitem a quebra de sigilo das informações, dentre elas, a manifestação por parte do paciente abdicando do direito de proteção acerca de suas informações. Todavia, essas exceções estão dispostas apenas em lei, e não em Resolução editada pela ANS, que extrapolou sua competência regulamentar.
O destinatário da informação, ou seja, a operadora de plano de saúde, não possui o elemento dominante capaz de decidir pelo compartilhamento dos dados fornecidos. No caso, o direito de proteção da informação recai totalmente sobre o paciente, que será o único responsável por viabilizar ou não a sua divulgação.
Em face desses argumentos, negou-se provimento à apelação interposta pela ANS, de forma a manter a nulidade da Resolução Normativa n.º 153/2007 e, desse modo, garantir o direito à privacidade e intimidade com relação aos dados confidenciais dos usuários de planos de saúde.